ADÃO RIBEIRO
Depois dos ossinhos da caridade de Campo Grande-MS e da dura realidade dos pés de frango inflacionados em 100% como a única carne na mesa, o Brasil nos expõe mundialmente com mais uma tristeza nesta semana. Agora é a vez do garimpo da pelanca, no Rio de Janeiro.
Matéria do Jornal Extra ganhou destaque na quarta-feira e correu o mundo. Mostra uma multidão, incluindo crianças, no mar de rejeitos de supermercado em busca de umas pelancas que possam salgar, fritar e delas extrair alguma proteína.
Pelas imagens é possível saber que estamos diante de uma situação insalubre e, antes disso, indigna. O motorista recolhe os rejeitos do mercado para descartar. Primeiro, passa na comunidade para distribuir as pelancas e ossos velhos ou “seminovos” aos que nada têm para colocar no prato.
Ele, o motorista, confirma que antes as pessoas pediam os rejeitos para darem aos cachorros. O restante era destinado para fazer sabão ou ração animal. Agora, como diria o poeta Manoel Bandeira (1886/1968): “O bicho, meu Deus, era um homem”.
Sinceramente, daqui da nossa boa vida, acho impossível não se comover. O pior é que, em menor escala, as situações se multiplicam por todo o Brasil.
É notório o volume de pessoas em busca de um trabalhinho para levar alguma coisa para casa. Quem anda pelas ruas percebe que se tornou quase impossível se dirigir ao centro de Paranavaí ou de qualquer cidade e não ser abordado por um desfavorecido. Parte tenta vender algo improvisado, um bolo, uma bala (não é indigno, apenas precário). Outros são mais diretos e pedem ajuda para comer, beber…
O certo é que a situação está ficando constrangedora para quem tem o que comer. Para quem não come, já está pra lá de insustentável. O Brasil está no topo da produção mundial, tanto de grãos, quanto de carnes. Nos orgulhamos do agronegócio, que é tech, pop, tudo.
No entanto, os frutos deste competente setor não chegam até a mesa de parcela considerável do povo. Segundo matéria da Agência Brasil, do Governo Federal, Publicada em 6 de abril deste ano com base no Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 19 milhões de pessoas passam fome nesta terra em que “se plantando, tudo dá”. Conforme o mesmo estudo, 116,8 milhões de pessoas vivem algum grau de insegurança alimentar e 9% da nossa gente estão em insegurança alimentar grave.
Alguma coisa está fora da ordem, diria Caetano Veloso. Da minha parte, prefiro o saudosismo do roque dos anos 1980 da Plebe Rude: “Até quando esperar a plebe ajoelhar?”
Por fim, gosto dos ensinamentos do escritor paraibano José Américo de Almeida (1887/1980): “Ver bem não é ver tudo: é ver o que os outros não veem”.
Que possamos abrir os olhos para essa perturbadora realidade.
*Adão Ribeiro é editor do DN, historiador pela Unespar
(nota: Os artigos são de responsabilidade dos autores. Não representam, necessariamente, a opinião da editora)