NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central sinalizou, na quarta-feira (2), a desaceleração do ritmo de elevação da Selic, a taxa básica de juros, já no próximo encontro, nos dias 15 e 16 de março. Enquanto especialistas se perguntam sobre a cadência desse movimento, a autoridade monetária indica estar lutando pela meta de inflação de 2023.
A decisão da semana passada reforça a independência da autarquia, mas pode surtir efeitos no cenário político e nos planos de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), de acordo com analistas econômicos.
“O Banco Central estará focado na missão técnica de buscar entregar uma convergência de expectativas de inflação para a meta no horizonte razoável, mesmo com possíveis consequências na atividade econômica e possíveis consequências políticas”, disse Fernando Gonçalves, superintendente de Pesquisa Econômica do Itaú Unibanco.
“Uma coisa que chama a atenção é que o Banco Central fala nos próximos passos, no plural, de redução do ritmo da taxa Selic. Será que esse plural quer dizer que ele ainda vai fazer mais de uma alta?”, questiona Gonçalves,
O Itaú trabalha com o cenário-base de mais um aumento de um ponto percentual, em março, sem descartar um movimento final menor em maio.
“Estamos refinando o cenário a depender das próximas comunicações. Aguardamos mais detalhes, que devem surgir na ata do Copom, na próxima terça-feira (8)”, disse.
O tom usado pelo BC foi considerado “dovish” –mais brando– pelos analistas, entre eles, Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, que ressalta que as expectativas de inflação estão muito pressionadas.
Na segunda-feira (31), segundo o relatório Focus, economistas do mercado financeiro elevaram pela terceira semana seguida a estimativa de inflação para este ano, passando de 5,15% para 5,38%. Número acima do teto da meta para 2022, de 5%.
Enquanto o BC mira 2023, o governo já teme um pico de inflação no terceiro trimestre deste ano, no auge da campanha eleitoral. Essa preocupação deflagrou a decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de patrocinar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que vai permitir reduzir tributos sobre combustíveis.
Até mesmo na equipe econômica, que costuma atuar mais na defensiva quando o assunto é abrir mão de receitas ou ampliar gastos, o sentimento é de que não é possível “cruzar os braços” diante dessa situação.
“O Banco Central não tem de se pautar por isso e tem de atuar de forma independente do ciclo político. Seu objetivo é trazer a inflação para baixo, o que, consequentemente, traz popularidade para o governo”, afirma Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos.
“Os objetivos são casados ao longo do tempo, mas, a curto prazo, às vezes é preciso tomar um remédio amargo. As decisões da autoridade monetária são puramente técnicas.”
José Júlio Senna, ex-diretor do BC, prefere analisar o cenário a partir da taxa de juros real brasileira projetada para o fim de 2022, que atualmente está na casa dos 6,5%.
Para o especialista, o número, ainda que alto, já é uma conquista, visto que o IPCA fechou 2021 com alta de 10,06%. Em janeiro, o IPCA-15 teve variação de 0,58%. Com a entrada do novo dado, a prévia da inflação acumulou alta de 10,20% em 12 meses.
Mas o chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre lembra que essa estimativa ainda não está totalmente assegurada, podendo ser afetada por itens que prejudicaram a inflação no último ano. É o caso da oscilação dos preços dos combustíveis –devido ao câmbio e ao preço das commodities, sobretudo do petróleo–, dos produtos industrializados –afetados por problemas nas cadeias produtivas durante a pandemia– e dos produtos primários –sujeitos às variações climáticas.
“A inflação está mais chata do que achei que viria, e o petróleo voltou a subir. Ajustei minha expectativa de juros”, disse Megale . “Esperava que o Banco Central ia desacelerar para 0,75 ponto percentual e, agora, acho que ele vai desacelerar para 1 ponto percentual”, projetou.
Além da evolução da inflação, Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, também coloca na equação o balanço de riscos e o cenário internacional, com o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) e outros bancos centrais sinalizando aumento da taxa de juros e “adotando uma toada um pouco mais ‘hawkish’ [agressiva] e restritiva”.
E o especialista vai além: “O ruído político e a fricção institucional recorrente que a gente tem observado no Brasil nos últimos anos têm levado a uma desancoragem do câmbio, retroalimentado a pressão inflacionária. Se o câmbio estivesse mais alinhado, talvez a inflação estivesse um pouquinho melhor”.
Esse movimento global mais coordenado contra pressões inflacionárias pode, segundo o economista-chefe da XP Investimentos, ajudar o cenário brasileiro.
Para ele, o Banco Central acerta ao calibrar o passo rumo ao fim do ciclo de aumento dos juros no Brasil, após oito altas seguidas, totalizando 8,75 pontos porcentuais. Em março do ano passado, a taxa básica estava em 2%.
A autarquia aguarda, agora, os resultados da política monetária contracionista nos últimos meses, considerando a defasagem entre a alta de juros e seus reflexos na economia. Um fim de ciclo de aperto monetário suave também é esperado por José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, “para não gerar muito ruído e muita incerteza”.
Enquanto alguns economistas acreditam que o período eleitoral, no segundo semestre, pode influenciar o início da fase de queda de juros no Brasil, outros descartam essa hipótese. Para Alberto Ramos, bancos centrais tendem a atuar de uma maneira mais conservadora nessa situação.
“Campanha eleitoral geralmente é um processo ruidoso, tende a gerar volatilidade nos mercados financeiros, e, no Brasil, parece que se avizinha uma eleição polarizada”, afirmou.
A pesquisa do Datafolha, realizada de 13 a 16 de dezembro, mostrou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceria todos seus adversários num eventual segundo turno. Ainda de acordo com a sondagem, seu principal rival no primeiro turno é o presidente Jair Bolsonaro (PL), com o petista à frente do titular do Planalto por 48% a 22%. Na simulação de segundo turno, Lula bate Bolsonaro por 59% a 30%.
Megale, que trabalhou na equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) como diretor na secretaria especial de Fazenda, é outro que acredita que o BC tentará calibrar o ritmo dos ajustes da política monetária até março, no máximo até maio, para passar o segundo semestre sem precisar elevar ou reduzir juros. Mas pondera que a autarquia, que tem autonomia assegurada pela Lei Complementar 179/2021, não deixará de agir em caso de necessidade.
Na avaliação de Senna, o BC percebe que um esforço para ancorar as expectativas ainda em 2022 representa um custo muito alto para a atividade econômica, optando por levar isso mais adiante. Para 2023, a expectativa para a inflação até agora é de 3,5%, um pouco acima da meta (3,25%).
Esse cenário força a autoridade monetária a continuar mostrando dureza no combate à inflação, o que pode ser custoso para a sociedade, especialmente ao bolso dos assalariados e de pessoas de classes de renda mais baixa. Em janeiro, a poupança registrou a maior saída de recursos da série histórica do BC, iniciada em janeiro de 1995. Os saques em cadernetas superaram os depósitos em R$ 19,665 bilhões.
Na sexta-feira (4), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, participou de uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro para “tratar de assuntos institucionais”.
Um panorama com inflação alta e política monetária bastante apertada não é uma combinação que agrada a população. Para 37% dos brasileiros, a economia é o principal problema do País atualmente. Os dados são da pesquisa eleitoral Genial/Quaest divulgada no mês de janeiro. Nesta parcela, as preocupações com desemprego, inflação e crescimento econômico estão incluídas. Além disso, 66% dos entrevistados consideram que a economia do Brasil piorou no último ano.
“Se não subir os juros, vai ficar com uma inflação mais pressionada por mais tempo. Queremos, ao subir os juros, controlar a inflação para que mais tarde possamos ter um juro mais baixo e uma inflação mais baixa. Não é para sempre. É igual quando você está doente e precisa de cirurgia, não é uma coisa legal, mas resolve o problema”, comparou Alberto Ramos, do Goldman Sachs.
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