Jesus mostrava-se sempre extremamente relutante em permitir que falassem dele como Messias, recomendando aos seus discípulos que a ele não se referissem assim, pois ele não era o messias no sentido que a maioria das pessoas dava a essa palavra (Mt 16,20 par.). Não pretendia ser servido pelas pessoas, nem queria que os seus discípulos fossem como governantes que são servidos por todos. JESUS QUERIA SER SERVO (Mc 10,42-45 par.). É difícil imaginar como esta INVERSÃO DA RELAÇÃO ENTRE AMO E SERVO DEVE TER SOADA ESTRANHA AOS OUVIDOS DOS SEUS CONTEMPORÂNEOS. João, o evangelista, capta-o de uma forma impressionante no episódio em que Jesus lava os pés dos seus discípulos (Jo 13,4-16).
Jesus não tentava evitar o papel fundamental que era chamado a desempenhar. Pregava, ensinava e apresentava o Reino ou Família de Deus, MAS TERIA DE FAZÊ-LO SOFRENDO E MORRENDO POR ELE. A SUA IMAGEM COMO VERDADEIRO MESSIAS SERIA A DO SERVO SOFREDOR, como vem descrita no livro de Isaías (Is 52,13-53,12).
Essa seria a inversão mais radical de todas. Jesus não ia ser O MESSIAS CONQUISTADOR E TRIUNFANTE QUE VIRIA ESMAGAR OS OPRESSORES DE ISRAEL, HUMILHANDO-OS E FAZENDO-OS VÍTIMAS PARA LIBERTAR O SEU POVO. ELE TRIUNFARIA DEIXANDO-SE CONQUISTAR, SENDO PRESO, FLAGELADO, HUMILHADO E PREGADO NUMA CRUZ COMO QUALQUER ESCRAVO REBELDE OU CRIMINOSO COMUM: ERA ESSA A MORTE MAIS IGNOMINIOSA E VERGONHOSA QUE SE PODIA IMAGNINAR NA SUA ÉPOCA.
JESUS NÃO ERA O VENCEDOR, MAS A VÍTIMA. Paradoxalmente, isso viria a ser o seu maior feito. A verdade e a justiça estavam do lado da vítima. De fato, é aí que se pode encontrar Deus: AO LADO DAS VÍTIMAS DO MUNDO. Foi isso que Jesus disse desde o princípio.
René Girard vê a inversão da vítima e do vencedor como a resposta final para o problema da violência. Em vez de sacrificar uma pessoa ou outra como bode expiatório para salvar o povo, Jesus assume ele próprio o papel de bode expiatório ou de cordeiro sacrificial.
DO PONTO DE VISTA DO MUNDO EM VIVIA, JESUS ERA UM FRACASSADO. Prenderam-no e executaram-no por traição. Nada abalou de forma mais radical o mundo do seu tempo do que o fato de esse tipo de fracasso ter sido tratado como um êxito. Foi a sua vontade de fracassar que revolucionou a espiritualidade da época. A MORTE DE JESUS FOI O SEU TRIUNFO.
A vontade de Jesus de morrer pelos outros significava que ele próprio estava vivo e os seus executores estavam mortos. Esse paradoxo excruciante constituía uma parte muito importante da sua espiritualidade. Ele o exprimia como um enigma ou um paradoxo acerca da vida e da morte que aparece numa diversidade de formas em todos os evangelhos. Pode ser resumido da seguinte forma: QUEM POUPA A SUA VIDA, PERDÊ-LA-Á. QUEM PERDE A SUA VIDA, SALVÁ-LA-Á. Nada contradiz mais radicalmente a atitude convencional com relação ao ego do que isso. Se não queremos dar a nossa vida pelos outros, já estamos mortos. Quando queremos nos desprender, começamos a ter uma vida em abundância. Foi por isso que, logo após a crucifixão, Maria Madalena e os demais discípulos experienciaram Jesus muito mais vivo – ressuscitado da morte.
Chamamos Jesus Cristo de Rei. É preciso ter cuidado, porém, quanto ao significado que se dá a esta afirmação. É rei, mas de maneira original. Só assim encontraremos a autoridade de seu atributo régio.
O Reino de Jesus não se parece em nada com um sistema de monarquia. O seu trono é desconcertante: é a cruz. A coroa de espinho, o cetro é o cajado do Pastor e se veste com o “Avental de Serviço”. Realiza-se como rei sendo Servo. Servindo sempre, sendo o último, estando, à disposição de todos, esquecendo-se de si. Cristo é rei, não possuindo domínios, mas dando tudo, dando-se até o fim, a sua própria vida. Dá a saúde, o perdão, a paz, a alegria, o sentido de vida, a esperança.
O evangelho de João tem a preocupação de mostrar que, passando pela cruz e morte, Jesus atua a realeza. É rei porque dá a vida pelo povo. O Reino de Jesus não é daqui, não é dessa ordem de coisas. Ele vem do Pai e do Espírito, e comunica a vida para todos.
A solenidade de Cristo Rei, encerrando o Ano Litúrgico, afirma substancialmente duas: 1. Há um ÚNICO ABSOLUTO NA HISTÓRIA: É DEUS QUE, COM SEU FILHO, INSTAURA NO MUNDO SEU REINO DE JUSTIÇA E VERDADE. O reino é serviço e amor total. Todas as expressões e manifestações de poder que não se enquadram dentro do serviço e do amor total são ilegítimas e usurpadoras de poder. 2. O Reino de Deus foi confiado à Comunidade cristã. Somos reino e sacerdotes para Deus. Nossa tarefa é trabalhar para que o reino aconteça em nossa história.
Frei Filomeno dos Santos O.Carm.








