Nestes tempos novos de pandemia, celebrar o dia de finados nos traz à mente duas imagens de cemitérios: Uma antiga, lugar santuário onde cultuamos os mortos, edificamos pequenas e grandes capelas, colocamos imagens, fotos dos entes queridos, no dia de finados levamos um vaso de gerânio branco, ascendemos velas, rezamos.
Outro agora, um amontoado de corpos quase impessoais, quase em covas comuns, quase um descarte… e foram mais de 600 mil, que não puderam ser chorados, velados, nem se despediram dos familiares, o sagrado ficou ocultado.
O distanciamento social escancarou um realidade já presente na nossa sociedade, este por causa do vírus circulante, isolou famílias e principalmente os velhos, que já estavam discriminados e colocados em asilos para outros cuidarem. Agora escancarou também as diferenças sociais; os ricos com recursos podiam recorrer a tratamentos caros pra se recuperarem, enquanto pobres sem possibilidades de sequer ter acesso a eles, quando talvez conseguissem já era tarde, morreram muitos mais pobres, as lágrimas choradas caíram mais sobre famílias pobres.
Qual a consciência e as responsabilidades diante de tantas mortes, que poderiam ser evitadas?
Vivemos tempos de “cegueira” onde as “fakes News”, o negacionismo diante das ciências foram manipulados por interesses escusos. Somos e fomos cegos que não quiséramos ver, ou nos deixamos ser enganados pelo olhar falso de outros.
Os fatos foram desvendados e trazidos à luz, mas a justiça fará justiça?
Mas voltemos aos cemitérios porque já chega ao dia da celebração, como será depois de dois anos? Como era bom visitar os túmulos dos parentes e antigos moradores, recontar suas histórias. Surge a pergunta: Quem era aquele do túmulo imponente? O encontro dos velhos amigos de infância.
Ainda umas perguntas se colocam diante de tantos mortos, uma questão de higiene, o que pensar da cremação? Com que corpo vamos ressuscitar?
Paulo recorre à imagem da semente. Imagem profundamente bíblica e muito rica, através da qual é possível compreender a ressurreição de uma maneira clara e inteligível. (1 Cor 15,36-38).
- Corpo corruptível, que se torna: corpo incorruptível;
- Corpo psíquico, que se torna: corpo espiritual;
- Corpo desprezível, que se torna: corpo glorioso.
Ressurreição = UM SALTO QUALITATIVO / Corpo ressuscitado = um corpo real que, na sua forma, é diferente do corpo corruptível, mas: A IDENTIDADE DA PESSOA FICA A MESMA.
O homem, na morte, passa por uma transformação profunda de todo o seu ser. Esta transformação muda o seu aspecto corporal. O corpo ressuscitado, na forma exterior, não é o mesmo corpo que nós temos agora. Mas, da mesma maneira como a planta muda de forma exterior, permanecendo exatamente a mesma em termos genéticos, também o ser humano ressuscitado muda de forma, permanecendo, porém, a mesma pessoa, com todas as suas dimensões e toda a sua identidade mantidas.
Os nossos sentidos nos informam somente sobre quatro dimensões da realidade. O corpo glorioso, no entanto, pertence a dimensões superiores, inacessíveis aos sentidos. Por isso não o enxergamos; o cadáver, porém, enxergamos.
O corpo ressuscitado é idêntico, mas não igual ao corpo que nós conhecemos. É esta a profunda verdade que pode ser deduzida da imagem com a qual o apóstolo Paulo responde à indagação sobre como os mortos ressuscitam.
Mas tal informação não aparece só no texto analisado de Paulo. Ela transparece também, de maneira nítida, nos relatos a respeito de Jesus ressuscitado.
Mais uma vez, a ressurreição dele se revela como sendo modelo e primícias de nossa própria ressurreição na morte. Nos textos sobre as aparições de Jesus ressuscitado querem frisar o mesmo elemento que Paulo aponta: o corpo do ressuscitado não tem necessariamente a mesma forma que a do corpo antes da ressurreição.
E, da mesma maneira que a lagarta deixa ainda atrás de si um casulo que permanece por certo tempo – mesmo quando a borboleta já vive dentro das novas dimensões de seu mundo de flores -, também o ser humano deixa atrás de si, na sua morte, um cadáver que, só após certo tempo, devagar, decompõe-se, enquanto a pessoa já vive dentro das novas dimensões daquilo que chamamos eternidade. A MORTE SE TORNA COMPREENSÍVEL ATRAVÉS DA ANALOGIA DA METAMORFOSE DE UMA LAGARTA QUE SE TRANSFORMA EM BORBOLETA.
Usando assim as profundas analogias existentes na própria natureza, a Teologia se torna capaz de transmitir também ao homem de hoje a profunda verdade fundamental sobre o ser humano e sua vida eterna: MORTE É TRANSFORMAÇÃO!
(Texto tirado do Livro: Escatologia da Pessoa – Vida, morte e ressurreição de Renold BlanK, pgs. 137-139)
Frei Filomeno dos Santos O. Carm.