FICA CONOSCO SENHOR… LC 24,13-35
O nosso texto apresenta um esquema de proto-liturgia (como a de Moisés e Jetro em Ex 18,6-12), composta de palavra e banquete. A primeira parte, caminho, é uma aula de Exegese pascal, ou seja, explicação da Escritura (AT) à luz da ressurreição, feita por Jesus em pessoa. A segunda parte, a chegada, é a descoberta e compreensão do mistério ao partilhar Jesus o seu pão de vida. A liturgia converteu-os em mensageiros. Jesus ressuscita em sua inteira realidade humana, portanto, também corporalmente. Mas sua corporeidade pertence a uma nova esfera. Nessa nova condição está realmente, continuamente presente; só que, acostumados a outra convivência não o percebem. Tem que abrir rasgões para mostrar-se à evidência dos sentidos. Quando estiverem convencidos do fato e tiverem aprendido a reconhecer seu novo modo de presença, Jesus partirá. Pode tomar a figura de antes, visando à identificação, e pode mostrar-se em outra figura, como caminheiro desconhecido, como jardineiro (Jo 20,15), como desconhecido na praia (Jo 21,4). No entanto, mais grave que a figura dissimulada de Jesus é a cegueira dos discípulos, cegueira de quem não espera ver de novo o amigo que morreu (comparar com a percepção do cego de Jericó, 18,35-43). Contudo, o aceitam como companheiro de viagem.
A pergunta do discípulo indica que a execução de Jesus tinha tido ressonância na cidade; e como ocorreu durante a Páscoa, parece implicar que o desconhecido não assistiu até então às festas da Páscoa. “Forasteiro” que “enfrentara” a subida a Jerusalém. A pergunta admite uma leitura irônica: são eles os que não se deram conta do que realmente aconteceu. Jesus pergunta concisamente, para que pela resposta saia o que está corroendo por dentro. Pergunta sempre atual, dirigida a cada um. Pergunta que ecoa na que provocou a confissão de Pedro (9,18). Cléofas reconhece Jesus como um dos antigos profetas: como Moisés (At 7,22); em fatos milagrosos como Elias e Eliseu; em palavras como a série ilustre da Escritura. Responsabilizaram somente as autoridades; ao dizer “entregaram e crucificaram”, insinuam a intervenção do poder romano. “Feliz aquele que não tropeça por minha causa”, quem não se sentir frustrado. E isso depende do que alguém espera do outro. Eles esperavam que Jesus seria o libertador e restaurador de (todo) Israel, em termos políticos de independência nacional. Não é que fosse um falso profeta, mas fracassou em seu empenho (de modo semelhante a Jeremias). A profunda desesperança impede de captar o valor dos recentes acontecimentos ou dos relatos surpreendentes. As mulheres os “alarmaram”, não serenaram; os discípulos testemunham apenas uma ausência. E começa a grande aula pascal sobre a Escritura. O caminho pode durar duas horas. Eles selecionaram da Escritura os dados triunfais e a estes conformaram sua imagem do Messias. Que leiam também os dados, O Servo que sofre (Isaías 53. Etc.), a paixão de Jeremias, o pastor (Zc 12,10; 13,7) e os orantes anônimos dos salmos (como o 21; 38; 55; 69 etc.); pois também os salmos são profecia. Jesus morto e ressuscitado será doravante a chave de compreensão da Escritura. “Tinha de” significa que era desígnio do Pai, que era seu messianismo concreto dirigido pelo Espírito. Tinha de beber a taça e mergulhar num batismo mortal. Mas tinha também de ser glorificado. “O qual, pela alegria que lhe foi proposta, sofreu a cruz, desprezou a humilhação e sentou-se à direita do trono de Deus”. Oferecem insistentes sua hospitalidade com o desejo de tirar proveito como aconteceu com Eliseu (2Rs 4,10; como Manué fez com o anjo (Jz 13,13-18; como Gedeão, também com o anjo (Jz 6,18)
Lucas impõe à refeição a forma litúrgica de uma eucaristia: bênção e fração e partilha do pão; não se diz que ele o tenha tomado nem menciona o vinho (22,19). O alimento lhes abre os olhos, revela-lhes a identidade do caminheiro, a vida do ressuscitado, o sentido da instrução precedente. Uma vez reconhecido, sua presença física não é necessária. A metáfora psicológica (Sl 39,4), semelhante ao nosso “ter o coração abrasado”, mostra a participação intensa numa exegese bíblica que não é pura informação acadêmica, porque é revelação do Senhor glorificado. A experiência e a notícia são muito grandes para ficar com elas. Imediatamente, sem reparar as duas léguas de distância nem a escuridão da hora, regressam a Jerusalém.
Aconteceu então com eles uma transformação: estavam tristes, e tornam alegres, sem coragem e agora estão corajosos, sem esperança e agora se tornam testemunhas, fugiram da comunidade e agora mesmo à noite regressam à comunidade. Eles ressuscitaram…
Frei Filomeno dos Santos O.Carm – texto escrito a partir das notas de rodapé da Biblia do Peregrino.