Setembro de 2021 ficará registrado, pela Comunidade Carmelitana, como o mês em que recordamos os 70 anos de presença dos Frades Carmelitas em Paranavaí (PR), fazendo cumprir, pelo menos até agora, a profética frase de Frei Ulrico Goevert ao acender, pela primeira vez, a lamparina do sacrário, na antiga e pequena igreja dedicada a São Sebastião: “esta luz não se apagará!”.
Outrora, já foi escrito artigos e até livros sobre a saga dos frades pioneiros. Conhecemos o artigo de Frei Joaquim Knoblauch, por ocasião do jubileu de prata, depois, outro artigo por ocasião do jubileu de ouro. Convém agora ressaltar os últimos 20 anos, marcados pela independência canônica do Carmelo Alemão, via ereção do Comissariado Geral (2012), e, ao nosso ver, pela passagem da contestação profética à mística solidária.
Motivados pelas conferências episcopais, por documentos da Ordem do Carmo, bem como, pelas crises econômicas e sociais vividas no seio da sociedade brasileira, os frades, fortemente marcados pela herança místico-profética de Elias, tido como Pai espiritual do Carmelo, responderam com generosidade profética o serviço ao povo.
Em Paranavaí, muitas obras e iniciativas socioeducacionais foram criadas e apoiadas, sem esquecer dos grandes investimentos no Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo e, em Curitiba, o trabalho marcante junto a favelados, desempregados e o empenho pelo direito à moradia. Em 1996, os Frades Carmelitas, passaram a residir no nascente e singular Bairro Novo. Neste novo contexto, estiveram à frente do processo de implantação e organização das CEBs da atual Paróquia Profeta Elias.
Mas foi, sobretudo, com a vivência da solidariedade, carregada de misericórdia e compaixão, segundo o “sentimento de Cristo” (Cf. Fp 2,5), que aconteceu a passagem da contestação profética à não menos profética mística da solidariedade compassiva e misericordiosa. Sim, porque só pelo cultivo da mística é possível descobrir o sentido do sacrifício, do sofrimento e da humilhação. Sem isso, não se compreende o verdadeiro amor e, como diz Frei Francisco: “quem encontra o sentido do sofrimento descobre o segredo da vida”. Disso deriva o projeto de resgatar vidas através do trabalho desenvolvido junto à Associação das Casas do Servo Sofredor, com dependentes químicos e alcoólicos, na abertura da primeira casa a este fim destinado, em 19943.
O caráter evangélico e libertador da prática pastoral levou, mais recentemente, as comunidades atendidas pelos frades, a oferecerem uma resposta mais consistente à violência que, com diferentes matizes, atinge sobretudo as crianças, adolescentes e jovens. Em várias localidades, onde os frades atuam, foram organizadas diferentes modalidades de acampamentos, envolvendo crianças, adultos, casais e gestores de diversas empresas, usando para isso a metodologia da imersão no kerigma, buscando unir a espiritualidade com partilha, dinâmicas e execução de diferentes desafios.
Atualmente, o grande desafio é manter acesa a profecia de Frei Ulrico. Para isso, é necessário encontrar corações generosos que queiram dar continuidade à obra, que embora tenha 70 anos, está apenas começando, pois “Deus faz nova todas a coisas” (Cf Ap 21,5).
1 Cf. CARVALHO, Edmilson Borges de. Mística e Compaixão: uma abordagem samaritana. Curitiba: Juruá, 2018, pp. 28-34.
2 Frei Edmilson é natural de Paranavaí, doutor, mestre e graduado em Teologia Sistemática pela PUCPR. Atualmente é pároco da Paróquia São Domingos e Nossa Senhora do Carmo, em Navegantes (SC).
3 Temos dez Casas do Servo Sofredor. Constituem-se de primeiro e segundo passo, masculino e feminino, sendo o primeiro passo a etapa inicial do tratamento e nas de segundo passo, os dependentes vivem de seu próprio trabalho, contribuindo inclusive com a manutenção da casa onde reside.