SIDCLEY LYRA
DA FOLHAPRESS
As bolsas de mestrado e doutorado vão completar dez anos sem reajuste em 2023. Os valores estão defasados em 78,6% em relação à inflação no caso do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
O cálculo foi feito com base no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado de janeiro de 2013 a novembro de 2022. Hoje, a bolsa de mestrado é de R$ 1.500; reajustada pela inflação, subiria para R$ 2.679. Já a bolsa de doutorado sairia de R$ 2.200 para R$ 3.929.
O auxílio concedido pelas agências possibilita que alunos se dediquem exclusivamente à pesquisa.
Para Vinícius Soares, presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), a desvalorização e a consequente queda no poder de compra dos alunos pode resultar em saída de pesquisadores do país e desestímulo à carreira científica.
“O recém-graduado precisa optar por entrar na pós-graduação recebendo R$ 1.500 do mestrado ou entrar no mercado ganhando muito mais”, diz.
De 2019 até 2021, houve redução de 18% no número de formados em pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado). Em números absolutos, 14.520 pós-graduandos iniciaram seus estudos, mas não completaram. Os dados são da plataforma GeoCapes.
Coordenador de uma linha de pesquisa no Instituto de Química da UnB (Universidade de Brasília), Brenno Amaro Neto foi um dos impactados. Em 2019, ele chefiava um grupo de oito pós-graduandos. Hoje, são apenas dois.
“Alguns alunos que haviam feito a seleção para ingresso na pós-graduação não puderam se matricular porque dependiam da bolsa para viver”, diz.
A fuga de cérebros, chamada por Soares, da ANPG, de diáspora científica, é uma preocupação de pesquisadores. Hoje, cerca de 6.700 cientistas brasileiros realizam pesquisas fora do país, segundo o CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos).
Para Helena Nader, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), o caminho a curto prazo é ajustar o valor das bolsas e aumentar a quantidade disponibilizada. “Assim como não aceito que o salário mínimo não tenha ganho real, não posso aceitar que a bolsa de pós-graduação continue no patamar que está.”
A bióloga e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) Mayana Zatz afirma que os cortes nos orçamentos da ciência também são responsáveis pela fuga de talentos. “Não adianta só dar bolsa se os laboratórios não têm a infraestrutura para fazer a pesquisa.”
Os programas de pós-graduação são responsáveis por 95% da produção científica no Brasil, segundo estudo encomendado pela Capes.
A falta de reajuste das bolsas tem dificultado o sustento dos pós-graduandos. É o caso de Daiane Matias, nutricionista e doutoranda pelo programa de pós-graduação em química biológica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Daiane entrou no doutorado em 2018 e tem a bolsa da Capes como única renda. Ela, que compartilha com o namorado os custos da casa onde mora, também recebe ajuda da mãe.
“Está mais difícil fazer uma compra que dure o mês todo. Por isso, sempre preciso da ajuda da minha mãe para comprar comida.”
Ela também teve que pegar dinheiro emprestado com um amigo para pagar a fatura do cartão de crédito de dezembro, quando aconteceram congelamentos de verba do Ministério da Educação.
Desde 2016, o CNPq e a Capes sofrem redução anual de orçamento para bolsas.
A verba do CNPq para bolsas ficou em R$ 981 mil em 2022, a segunda mais baixa em dez anos. O menor valor foi registrado em 2019, quando foi de R$ 941 mil, em valores corrigidos pela inflação. A análise foi produzida pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
O reajuste considerado ideal para repor parte das perdas ocorridas nesses dez anos seria de 75%, segundo estudo de Odir Dellagostin, presidente do Confap (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa).
As duas agências de fomento, porém, adotaram um cenário de reajuste de 30%, considerado moderado.
O impacto no CNPq nesse cenário seria de R$ 306,4 milhões para o ano que vem. Mas o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023 prevê um aumento de 5,48% (cerca de R$ 54 milhões) para o investimento em bolsas de estudo no CNPq.
O órgão, que é vinculado ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), afirma que a partir de esforços conjuntos foi possível acrescentar cerca de R$ 300 milhões destinados a bolsas na proposta orçamentária que está em tramitação no Congresso. “O reajuste das bolsas do CNPq depende de incremento orçamentário que permita aumentar os valores sem prejuízo do número de bolsas oferecidas”, disse o órgão em nota.
Segundo o CNPq, a confirmação desses valores permitirá um reajuste de 30% no valor de todas as modalidades de bolsas.
O ministério foi procurado para falar sobre o impacto orçamentário do reajuste das bolsas de estudo no CNPq, mas não se manifestou.
O projeto de orçamento enviado pela União prevê redução de R$ 462 milhões no programa de bolsas da Capes: 18,21% a menos na comparação com 2022.
A Capes concede cerca de 73% das bolsas para mestrandos e doutorandos no Brasil, segundo a Confap.
Em 2018, a distribuição atingiu 92 mil estudantes; um ano depois, caiu para 87 mil. O ano de 2021 registrou mais uma queda: foram 84 mil auxílios distribuídos, o nível mais baixo desde 2013.
Em nota, a Capes informou que o reajuste de 30% no valor dos benefícios, em discussão no governo, traria impacto de R$ 1,4 bilhão no orçamento da Capes.
O projeto de lei n. 4144/2021, apresentado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), prevê a correção dos valores das bolsas do CNPq e da Capes de acordo com o índice oficial de inflação a cada dois anos. O projeto foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática na Câmara dos Deputados na última semana de novembro e seguirá para avaliação da Comissão de Educação.