Em seu quarto livro publicado pela editora Benvirá, Celso Amorim relata suas experiências como chanceler no trato das relações do Brasil com seus vizinhos da América do Sul. A obra Laços de Confiança – O Brasil na América do Sul reúne memórias, anotações e pesquisas, que enriquecem a narrativa do autor e apresenta dados e informações de fontes diversas, trazendo à tona a situação do Brasil nas relações diplomáticas com os parceiros sul-americanos.
De maneira franca e objetiva, o conteúdo reflete as percepções de Amorim e as atitudes dos principais personagens dessas relações, entre eles Lula, Kirchner, Chávez, Uribe, Correa e Morales. Frequentemente despercebidos, o livro realça aspectos sutis de relacionamentos tradicionais com países como Argentina, Uruguai e Paraguai. Além de percorrer por fatos históricos como a criação da Unasul, a questão do Gasoduto com a Bolívia e o ataque da Colômbia às FARC no Equador.
No Prefácio, Celso faz questão de explicar o porquê de usar o termo América do Sul, restringindo a abrangência do conteúdo da obra aos países que estão mais abaixo da linha do Rio Grande. “Sem renegar o objetivo da integração de toda a América Latina e Caribe, considero que nossos esforços devem passar pela união dos que geograficamente estão mais próximos uns dos outros e, lembrando uma fala de Porfírio Diaz, mais “longe dos Estados Unidos”, comenta Amorim.
Ainda de acordo com o autor, “essa seria a única maneira de conquistar, mesmo que com um prazo dilatado, algum equilíbrio no continente, evitando-se a consagração da hegemonia da potência norte-americana”.
Atualmente, as relações do Brasil com seus vizinhos de fronteira se encontram muito frágeis, talvez seja seu pior momento desde o início da Nova República. A integração regional conquistada e intensificada notadamente na segunda metade dos anos 1980, em parte como decorrência da redemocratização dos países do chamado “Cone Sul”, aos poucos foi se perdendo.
Esse processo de fortalecimento das alianças regionais, que passou pela criação do Mercosul, no início dos anos 1990, e chegou a seu ápice na primeira década do novo milênio, com iniciativas como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), refluiu, dando lugar à fragmentação e à busca de relações privilegiadas com as grandes potências tradicionais.
Fica difícil determinar se esse retrocesso é fruto de falas e atitudes polêmicas ocorridas no Brasil nos últimos anos ou se é reflexo da realidade política de cada um dos países da América do Sul. Nas duas últimas décadas, essas nações têm experimentado, em maior ou menor grau, crises econômicas e sociais, assim como levantes políticos e mudanças para governos que flertam com sistemas antidemocráticos. Não por acaso, esse refluxo coincide com a queda de governos progressistas e a chegada ao poder de líderes de direita (ou, em alguns casos, de extrema-direita).
A política externa tem o desafio de (re)construir os “laços de confiança” na América do Sul, mantendo a defesa dos interesses nacionais sem abandonar a solidariedade e o respeito pelos países vizinhos. “Superar as brutais desigualdades e romper com a dependência externa é, e continuará a ser por muito tempo, uma tarefa de todos os que desejam uma América Latina mais justa e autônoma. A nova geopolítica mundial, com seus traços de multipolaridade e de rivalidade bipolar entre Estados Unidos e China, apenas reforça essa necessidade”, finaliza Celso.
Sobre – Celso Amorim nasceu em Santos (SP), em 1942. Depois de breve incursão pelo cinema, ingressou no Instituto Rio Branco em 1963. Em sua longa carreira diplomática, foi embaixador em Londres e representante permanente do Brasil na ONU e junto aos organismos internacionais em Genebra. Foi ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco e durante os oito anos do governo Lula. Foi também ministro da Defesa no primeiro mandato da presidenta Dilma. É autor, entre outras obras, de Conversas com jovens diplomatas, Breves narrativas diplomáticas eTeerã, Ramalá e Doha, lançadas pela Benvirá. Esta última foi publicada nos Estados Unidos sob o título Acting globally: memoirs of brazilian assertive foreign policy, tendo merecido apreciações positivas de Noam Chomsky e Kofi Annan.