PATRÍCIA CAMPOS MELLO E JULIO WIZIACK
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil vai firmar com a China um acordo de cooperação e intercâmbio em tecnologias de semicondutores, 5G, 6G e as próximas gerações de redes móveis, inteligência artificial e células fotovoltaicas (para geração de energia solar).
Os memorandos de entendimento serão assinados durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à China, na semana que vem. Os acordos, que envolvem o Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério das Comunicações e Anatel, preveem capacitação em desenvolvimento de aplicativos, nuvem, internet das coisas e algoritmos em aplicativos para a indústria.
Todas essas tecnologias são sensíveis e estão no centro da guerra fria tecnológica entre Estados Unidos e China.
Nos últimos meses, Washington sinalizou várias vezes a integrantes do governo Lula o interesse de promover investimentos na cadeia de semicondutores no Brasil.
Os chineses, como parte do pacote de recepção de honra a Lula em Pequim, devem acenar com possibilidade de cooperação em fábricas de semicondutores no Brasil, com produção voltada para o mercado brasileiro.
Uma ideia seria investir na Ceitec (Centro de Excelência em Eletrônica Avançada), a estatal de semicondutores que entrou em processo de liquidação sob Jair Bolsonaro e que Lula avalia reabrir.
A China domina quase metade do mercado mundial da etapa chamada de backend dos semicondutores, a finalização teste, afinamento, corte e encapsulamento dos componentes. O país também atua no frontend, etapa que compreende a fabricação do componente. Mas os chineses não conseguem produzir os chips mais avançados, cuja tecnologia ainda é monopólio de Taiwan e Coreia.
Hoje, o Brasil tem 11 grandes empresas na cadeia de produção de semicondutores, mas com capacidade apenas no chamado backend da cadeia.
O governo brasileiro busca cooperação no backend e também parceria para desenvolvimento do frontend.
Com investimento e transferência de tecnologia, plantas já instaladas no país poderiam passar a atuar na fabricação de semicondutores menos avançados e começar a fabricar, no médio prazo (de 10 a 15 anos), chips de 14 nanômetros para abastecer a indústria automobilística doméstica, segundo avaliação do Ministério do Desenvolvimento.
Segundo um integrante do governo brasileiro que acompanha as negociações, a viagem vai dar “impulso” ao estreitamento de relações com a China. Essa pessoa afirma, no entanto, que não há nenhum alinhamento com China ou EUA. Segundo ele, o Brasil quer apenas aproveitar as oportunidades de desenvolvimento de tecnologias.
Na viagem, Lula também irá à gigante de telecomunicações Huawei, e deve visitar as sedes ou se reunir com os presidentes da BYD, montadora de carros elétricos, da State Grid, de energia, e da construtora China Communications Construction Company (CCCC).
Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), os Estados Unidos pressionaram o Brasil a vetar a Huawei do fornecimento de equipamentos para operadoras disputando o leilão do 5G, realizado em 2021.
Os americanos argumentam que as redes da Huawei não têm segurança e podem ser alvo de espionagem, com a empresa compartilhando os dados com o governo chinês. Mas o governo brasileiro resistiu e não excluiu a gigante chinesa.
Países como Reino Unido, Suécia, Japão, Austrália e Canadá impuseram restrições à empresa. Sanções de Washington também impedem empresas americanas de exportar componentes para a Huawei.
Na minuta do memorando com o Ministério das Comunicações constam apenas as diretrizes da parceria voltada às tecnologias de comunicação em quinta e sexta gerações (5G e 6G), além de cooperação para o desenvolvimento de sistemas de proteção de dados. O plano de ação será definido depois da assinatura do documento por técnicos da pasta e da Anatel.
Esses foram justamente os pontos que o governo Bolsonaro vetou durante os preparativos do leilão de 5G.
Na época, para evitar o adiamento do certame, o governo decidiu criar uma rede privativa para órgãos da administração pública federal sem componentes chineses, particularmente da gigante Huawei.
Agora, Lula retoma a parceria para avançar no desenvolvimento de tecnologias comuns aos dois países, tanto na parte de hardware (equipamentos de redes de telecomunicações), quanto de software (soluções de rede).
O presidente mira a comunicação de sexta geração (6G), tecnologia que a Huawei já domina, tendo ainda poucos concorrentes na Europa.
A iniciativa de Lula nessa área é também uma retomada de um acordo de cooperação com a China iniciado pelo governo Michel Temer (MDB). Em 2017, houve um memorando voltado para o comércio eletrônico. A ideia era criar ferramentas para o aprimoramento de quesitos de segurança nas transações.
Já a BYD, maior concorrente da Tesla na fabricação de carros elétricos, está em negociações para comprar a fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia.
A CCCC, que já atua no Brasil, é uma das principais construtoras nos projetos financiados pela Iniciativa Cinturão e Rota da China. O Brasil é um dos poucos países da América Latina que não aderiram ao projeto, que promove obras de infraestrutura. Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Peru e Uruguai fazem parte.
Também será anunciado na viagem o lançamento de mais um satélite CBERS em parceria com os chineses, que vai fazer vigilância da Amazônia.