NELSON DE SÁ
DA FOLHAPRESS
A China estaria deixando de comprar soja americana, podendo se voltar quase inteiramente para a brasileira. Foi o que concluiu, em tom de aviso, um relatório da consultoria americana AgResource, publicado pelo site da Bolsa de Mercadorias de Chicago.
“Em meados de maio, a China já teria normalmente garantido pelo menos 1 milhão de toneladas de soja dos Estados Unidos para entrega no ano comercial seguinte”, afirma o texto. “Neste ano, os EUA não venderam uma tonelada à China para entrega no ano comercial 2024/25.”
Com isso, “é possível que a China, em 2025 e além, consiga obter quase toda a sua soja do Brasil”. O “white paper” da AgResource recorre a dados do Departamento de Agricultura dos EUA para sustentar sua avaliação.
De imediato, para este ano, o quadro dependeria da safra brasileira, se consegue ou não confirmar um volume capaz de suprir a demanda chinesa a ponto de Pequim prescindir da soja dos EUA. Seja como for, “não parece que a China vá importar uma tonelada sequer dos EUA acima do que absolutamente precisar”.
Daí para a frente, o relatório se diz preocupado que o comércio mundial de soja seja “impactado pela política” devido às relações abaladas entre Washington e Pequim. Não haveria perspectiva de melhora “não importa quem seja presidente em janeiro de 2025”, se Joe Biden ou Donald Trump.
O relatório foi recebido com ceticismo no Brasil, apontando-se para o risco de dependência ainda maior do país frente à China, mas sobretudo na direção contrária.
Para o ex-presidente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), hoje coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, Guilherme Bastos, a projeção da AgResource não é factível, sublinhando que a China evitaria depender tanto do Brasil.
“Eles fazerem o suprimento de apenas uma fonte é muito pouco provável, eles não são loucos”, diz o engenheiro agrônomo. “Quando começou a primeira guerra comercial do Trump com a China, de fato, houve desaceleração nas compras, tanto que abriu oportunidades para o Brasil. Mas parar completamente, não.”
Ele lembra que no início de junho, diante da medida provisória brasileira que restringia uma compensação de tributos no setor, a China voltou imediatamente a comprar soja nos EUA. A MP foi abandonada pouco depois.
Bastos acrescenta que “sempre tem a questão de preço”, como evidenciado no próprio levantamento. No momento, o Brasil tem os preços mais competitivos, enquanto os EUA estão na entressafra, “plantando agora a próxima safra”.
Por outro lado, ele avalia que “o Brasil tem excedente exportável para atender a demanda chinesa” por soja. Ela estaria entre 105 milhões e 106 milhões de toneladas, e o excedente brasileiro, pouco abaixo disso, em 101 milhões e 102 milhões de toneladas.
Para ele, a China só deixaria de importar dos EUA se o quadro geopolítico mudasse: “Ela pode [fazê-lo ao] ver complicações lá na frente, retaliações em termos comerciais”.
Questionado sobre o risco de dependência do Brasil em soja, na saída de um evento com o setor agrícola brasileiro em Pequim, o chefe do Departamento Internacional do Partido Comunista, Liu Jianchao, respondeu: “Como disse o presidente Xi Jinping, temos que segurar a tigela de arroz em nossas próprias mãos”.
“Somos capazes de abastecer nosso povo com nosso próprio campo produzindo alimentos”, disse. “Mas garantimos, em relação à segurança alimentar, a cooperação de que precisamos com outros países, inclusive o Brasil, um parceiro muito forte e importante.”
Acrescentou que a China tem boas relações, para tanto, “com países como a Rússia, como o Vietnã, como os Estados Unidos também. Precisamos ter essa colaboração, para garantir a segurança alimentar”.
Cotado para ser o próximo chanceler chinês, Liu disse que o forte vínculo sino-brasileiro em agricultura, que no evento abordou desde a produção de pequenos tratores chineses no Nordeste até a cooperação entre as principais faculdades da área, serve de modelo para outros países em desenvolvimento.
E que, “diante do consenso entre ambos os líderes [Xi e Lula], há uma boa oportunidade para levar adiante” essa relação. “Haverá algumas ações de Estado muito importantes, paralelamente à cúpula do G20 no Brasil”, afirmou.