Sabe… quando o inverno chega ficamos mais introspectivos. Lembranças de outrora brotam junto com lágrimas saudosas. E uma caneca de chocolate quente aquece o corpo e a alma trazendo um abraço terno, mas acompanhado de inúmeros questionamentos acerca da vida.
Quando passamos pouco mais de meio século de existência agregamos em nosso íntimo tudo aquilo que já passou. Pessoas, lugares, cheiros, tudo que convive no sótão de nossas lembranças, engavetados, etiquetados, empoeirados…
Lembranças dos dias cândidos da juventude onde sonhávamos com o final de semana. A “brincadeira” ou baile no clube, o encontro com a turma, rever aquele “paquera” e quem sabe iniciar um namoro. Aos domingos os rios e prainhas da região. A kombi lotada, cantávamos Roupa Nova, Léo Jaime, Titãs, Engenheiros do Hawaii, entre outros.
Eram companhias alegres com horas de diversão garantida. Nem nos dávamos conta, mas estávamos criando memórias. Memórias estas que hoje, diante desta caneca de chocolate quente, ajudam a aquecer meu coração banhado de emoção.
Mas dentre a turma, algumas são chamadas de verdadeiras amigas. Aquelas que estão ali em todas as horas e atravessam as décadas junto conosco. Namoros, casamentos, nascimento dos filhos e agora, nascimento dos netos e estamos juntas.
Mas a vida, a vida segue e cada uma foi absorvendo os acontecimentos de forma diversa e numa dessas curvas do caminho somos surpreendidos com o diagnóstico de alzheimer de umas delas. Esse “alemão” não a perdoou apagou
suas lembranças, retirou seu discernimento.
É muito triste olhar nos olhos dela e não encontrar mais a amiga tão
querida de outrora. Vê-la cada dia mais distante dói no coração… ah! Preciso de mais uma caneca de chocolate quente para continuar… pois a dor lacerante ainda estava por vir.
A outra amiga que há tempos lutava contra um câncer recebeu o
diagnóstico de recidiva. Novos exames, quimioterapias, radioterapias… mas culminou no avanço da doença passando para outros órgãos e posteriormente convergiram para cuidados paliativos. Essa amiga, não, essa irmã amiga estava
ali dizendo que em breve partiria. E entramos em um estado de torpor, de anestesiamento e grossas lágrimas se juntaram a um abraço de retrospectiva dos diversos percalços vividos e superados. Mas agora, agora era diferente, eu não sabia como lidar, pois, nunca se pode retirar a esperança de alguém.
Então, vamos lá, necessito de mais um gole de chocolate quente para conseguir continuar. Ela lutou bravamente sempre com fé na superação, sempre acreditando que venceria… mas, em uma madrugada de outono se despediu deste mundo como uma vitoriosa, deixando em seu último semblante a marca
de seu derradeiro sorriso.
Agora minhas mãos estão trêmulas e necessitam tocar a caneca, preciso desesperadamente reaquecer e confortar meu coração. O chocolate desce devagarinho junto com lágrimas pujantes que banham minha face.
Três amigas numa tarde de verão… festejando entre risos e diversão.
Hoje sigo só…pedalando minha bike rumo a minha redenção. Mas sei que é necessário continuar, é necessário viver. Observar o que há para hoje e viver. Amanhã farei o mesmo e também procurarei realizar os sonhos acalentados na poeira do tempo.
Agora que expus o que há em mim, consigo vislumbrar com outros olhos e ir diluindo para prosseguir… e falando em prosseguir, olha quem está chegando? Com seu ar infantil, cheio de esperança e fé na vida. É isso, esse é o caminho. É o que a vida nos apresenta para hoje.
___ E então pequena, do que vamos brincar?