Ao pular o muro fugindo dos caninos do pitbull mais terrível da vizinhança, o gato se feriu numa roseira, vazando os olhos nos espinhos. No corre-corre fizeram-lhe o curativo e a vida seguiu e, cego de dar dó, a restrição da visão e, por consequência dos movimentos, impôs ao gato emagrecimento, pelagem arrepiada e aparência envelhecida que chamavam à atenção.
De repente ele, mesmo sem os cuidados especiais e necessários do dono, passou a ter certa facilidade em encontrar alimentos, ser guiado à água limpa e até agasalhado nas noites frias.
O trauma da cegueira, por certo, havia lhe tirado percentagem boa do instinto próprio do animal de modo que nunca havia pressentido a presença constante de uma companhia, mas passado um tempo assim e já estando recuperado e encorajado, notou que alguém o seguia guiando-o para as facilidades citadas, o que o fez aguçar o olfato, estancar os passos, colocar-se em posição de combate, situação que levam os gatos ao desespero quando acuados.
Seu miado agudo e quase ensurdecedor foi um misto de aflição e valentia, dando a entender que poderia morrer sim, se houvesse novo confronto, mas o faria lutando.
Do outro lado ouviu-se apenas um ganido fino, baixo e longo que desfiava na linguagem que eles entendem, um pedido de desculpas.
Era o Pitbull quem o protegia, e favorecia desde o acidente seu viver, inaugurando ali um modo distinto de reconhecimento do erro e do prejuízo irreparável que causara em razão da excessiva agressividade.
O tempo conta os segundos se pressa e numa só cadência, e eles próprios se encarregam das mudanças.