Essa vertente da Medicina pode ser oferecida a qualquer paciente que esteja lidando com uma doença, curável ou não, e de qualquer faixa etária
A principal função da Medicina é identificar e tratar doenças que afetem o corpo humano. Mas e quando os tratamentos são extensos ou já não são mais suficientes para restaurar e devolver saúde ao paciente? Qual o papel da Medicina quando a cura estiver distante ou já não for mais viável? A resposta para essas perguntas nos leva a uma especialidade ainda pouco prestigiada no Brasil: os cuidados paliativos.
De acordo com Douglas Crispim, médico geriatra e especialista na área, o conceito é, em uma definição simples, um conjunto de cuidados oferecidos a pessoas que convivem com doenças graves a fim de prevenir o sofrimento. Tal conjunto de práticas busca considerar não apenas o aspecto físico do paciente, mas entender também as dores psicológicas, espirituais e existenciais.
“O maior foco do cuidado paliativo é garantir a dignidade, autonomia e independência das pessoas. Um exemplo é quando a pessoa recebe diagnóstico de uma doença e vai passar por tratamentos, exames, coisas que vão realmente prejudicar o convívio social. A função do cuidado paliativo é adaptar a vida dessa pessoa com aquela doença para ela conviver melhor”, exemplifica.
Segundo o especialista, essa vertente da Medicina pode ser oferecida a qualquer paciente que esteja lidando com uma doença, curável ou não, e de qualquer faixa etária. “Hoje existe o cuidado paliativo desde o perinatal – quando mães que estão grávidas de crianças com doenças que ameaçam muito a vida do bebê que vai nascer – até o idoso”.
Tratamento multidisciplinar
“Durante muitos anos a medicina foi criada somente para combater a morte, para evitá-la, mas a morte é inevitável. Em vez de tentarmos só combater, a gente tem que ter a noção de que a medicina falha, e quando falhar, a gente tem que ter algo para continuar cuidando da pessoa. Não adianta tentarmos fazer uma série de tratamentos e quando esses tratamentos pararem de funcionar, a gente simplesmente abandonar e dizer: ‘Não tem mais nada para fazer’. Sempre há algo a fazer. Mas o que é o algo a fazer que ninguém aprendeu antes? O cuidado paliativo.”
Douglas Crispim reforça que garantir plena dignidade vai além de manter somente os cuidados médicos. O tratamento de sintomas desagradáveis, conforme explica, é o primeiro passo, mas o acompanhamento também será feito por especialistas em outras áreas, como psicólogo, assistente social e nutricionista, inclusive com foco na família do paciente, que precisa ser acolhida.
Outro aspecto a ser levado em conta são as preferências de cada um. O especialista revela que, quando possível, as equipes de cuidados paliativos podem trabalhar com os pacientes em casa, caso seja essa a escolha da pessoa.
“No final da vida nós reparamos que a maior parte das pessoas gostaria de passar o final da sua vida com as pessoas que ela gosta, num lugar que ela gosta, confortável. Então, sempre em lugares que têm condição, serviços mais modernos, o paciente tem o hospital ambulatório em casa. Um exemplo desse atendimento moderno é Paranavaí”, revela.
Políticas públicas
Neste ano, o lançamento de uma política pública foi um marco para o setor de cuidados paliativos no Brasil. Anunciada em maio, a Política Nacional de Cuidados Paliativos deve aumentar expressivamente o número de equipes que prestem esse atendimento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Quando você tem a política pública, você garante o financiamento para novos serviços surgirem nas unidades que estão mais precisando. A Política Nacional de Cuidados Paliativos vai distribuir o serviço de uma forma mais equitativa e garantir o financiamento, os medicamentos essenciais, e vai impulsionar também a rede privada, porque quando o SUS melhora, o privado também tem que melhorar”, considera Crispim.
A publicação da política ocorreu no mesmo ano em que a população pôde escolher novos representantes para governarem as cidades brasileiras. Para Crispim, é extremamente importante que os gestores olhem com mais atenção para a área e ampliem os investimentos.
“Eu diria para [os novos prefeitos] que cuidado paliativo tem a ver com inovação, sustentabilidade e alta satisfação da população. Quando a gente implementa o cuidado paliativo, a satisfação das famílias é enorme, a gratidão das pessoas que recebem um cuidado digno na sua casa não tem preço. Eles podem fazer esse investimento com a tranquilidade que a população vai receber muito bem esse tipo de serviço”, avalia o especialista.