REINALDO SILVA / reinaldo@diariodonoroeste.com.br
O céu azul e sem nuvens emoldura as paisagens entre a França e a Espanha. É como apreciar uma pintura barroca do século XVII e, mais do que olhar, fazer parte dela. Maravilhado com o cenário desenhado caprichosamente pelo tempo, o engenheiro eletricista Herlon de Mello Paleo, de 37 anos, morador de Paraíso do Norte, embarca em uma jornada de seis dias e quase 700 quilômetros sobre duas rodas, o Caminho de Santiago de Compostela.
No primeiro dia, pedala 78 quilômetros em 6 horas e 38 minutos. Deixa Saint Jean Pied de Port, na França, e segue até Pamplona, já em território espanhol. Passa pelos Pireneus, uma cordilheira que divide naturalmente os dois países europeus. A subida é íngreme e a trilha tem muitos obstáculos; ele precisa descer da bicicleta e empurrar por uns 300 metros. “Mesmo com todas as dificuldades, foi o dia com as paisagens mais bonitas. Um espetáculo à parte, uma experiência única”, conta.
De Pamplona a Logroño, no segundo dia, são 6 horas e 46 minutos para percorrer mais de 97 quilômetros. Herlon passa pelo Morro dos Pecados, aprecia esculturas em metal que homenageiam os peregrinos. Uma etapa sensacional, um lugar fantástico.
O objetivo do terceiro dia é chegar a Burgos. Pedala por 7 horas e 32 minutos e vence 126 quilômetros de distância. Chamam a atenção do engenheiro eletricista as propriedades agrícolas que começam enfeitar o quadro. Parreirais, trigo e capim para a produção de feno fazem um cenário bastante pitoresco. A chegada ao destino, com atrações históricas e muitas pessoas nas ruas, traz uma energia vibrante.
Mais um dia de pedal. Após 9 horas de movimentação e 185 quilômetros, Herlon chega a Leon. “Foi o dia que mais consegui pedalar e render. Muitas fazendas e passando por muitas cidades pequenas e históricas, uma mais bonita que a outra.” Vilarejos com características da era medieval ou da colonização romana completam a visão.
Chega o quinto dia, a peregrinação sobre duas rodas está quase no fim. Até a parada em Ponferrada, são 6 horas e 33 minutos. Os primeiros 60 quilômetros são marcados por caminhos planos, o percurso é tranquilo. Vem, então, uma subida muito forte, com trilhas fechadas e difíceis. “Nesse dia, caí duas vezes. Para piorar começou a chover granizo em um trecho onde não tinha como me proteger. A sorte que foi fraca e as pedras, pequenas.”
Pausa para apreciar a paisagem. Tanto no topo da serra quanto no final da descida, vilarejos em excelente estado de conservação. Assim que alcança o destino, aproveita para conhecer o Castelo de Ponferrada, com paredes de mais de 2 metros de espessura, vestimentas, documentos e objetos medievais, além de catapultas que mostram um pouco como era viver naquela época.
Enfim, o último dia. A expectativa de completar o percurso aumenta. À frente, 79 quilômetros de distância e elevação de mais de 1.300 metros. O ciclista vai de uma pousada perto de Pallas del Rei até a Catedral de Santiago de Compostela em 5 horas e 15 minutos. O cansaço fica evidente. Depois de tantos dias pedalando, o corpo avisa que se esforçou demais. Vêm as dores. “Neste dia, o pior era me sentar no selim da bicicleta.”
A chegada – Herlon se aproxima da linha de chegada, o momento mais esperado. Vê a igreja cercada por uma multidão. As pessoas se reúnem nas ruas e na praça central. “A emoção toma conta, todo mundo começa a aplaudir, momento espetacular, algo que não sairá da minha cabeça jamais. Ali soube que valeu a pena todo o esforço. Sensação de dever cumprido.”
A Catedral de Santiago de Compostela foi construída entre os anos de 1075 e 1128, na época das cruzadas cristãs. Passou por várias reformas e ganhou elementos góticos, renascentistas e barrocos. Segundo a tradição católica, o templo acolhe o túmulo do apóstolo Santiago Maior, padroeiro e santo protetor de Espanha, o que converteu a igreja no principal destino de peregrinação na Europa.
O ciclista faz questão de falar do apoio que recebeu da esposa durante os seis dias de pedaladas. A técnica judiciária Luciana Iácono Marino Paleo, 37 anos, segue de carro por estradas que ligam uma cidade a outra. Os dois se encontram a cada 40 quilômetros, conversam e definem o ponto de parada.
Ela chega antes e aproveita o tempo para conhecer os pontos históricos, o centro da cidade, a igreja. Depois, indica para o esposo os lugares que valem a pena. “Geralmente fazíamos uma refeição juntos e combinávamos o próximo encontro ou em qual hotel iríamos ficar.” Herlon resume o papel da esposa durante o trajeto: “Minha companheira e guerreira”.
Próximas aventuras – O engenheiro eletricista já se prepara para as próximas viagens. “Planos são muitos.” Ele adianta alguns objetivos: “Acredito que em outubro devo fazer o Caminho da Fé, novamente, mas desta vez mais ‘raiz’, levando a bagagem e sem apoio.” Ele se refere ao trajeto que leva a Aparecida (SP). A cidade é famosa pela Catedral de Nossa Senhora Aparecida.
No começo de 2023, Herlon quer percorrer o Vale Europeu, em Santa Catarina, e talvez em março, a Serra da Canastra (MG). “Se conseguir realizar um, já está bom.”