JÚLIA MOURA
DA FOLHAPRESS
O crescente déficit fiscal dos Estados Unidos é uma das preocupações do Banco Central brasileiro. Roberto Campos Neto, presidente da instituição, diz se questionar se a alta nos juros americanos tem um componente de risco fiscal.
“A grande pergunta é, será que tem alguma coisa de fiscal nessa curva de juros americana, ou é uma coisa técnica?”, questionou o economista em evento do banco Credit Suisse em São Paulo, nesta quarta-feira (18).
Nos últimos meses, os juros dos treasuries (títulos do Tesouro americano) vêm subindo. Além de acompanharem a maior taxa básica de juros do país desde 2001, na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano, os papéis podem estar refletindo o aumento do risco fiscal do país, que gasta mais do que produz, com um déficit atual de 110% em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) de 2022, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional).
A estimativa do BC é que a dívida americana em poder do público, ou seja, em treasuries, chegue a 120% do PIB do país em 2032.
Com dúvidas em relação à capacidade dos EUA de honrarem com o pagamento da dívida, investidores pedem uma taxa de remuneração maior, levando os juros dos treasuries a cerca de 5% ao ano, tanto nos de curtíssimo prazo, como um mês, como nos de longo prazo, como no de 30 anos, algo atípico neste mercado.
Campos Neto chamou atenção para o fato de que, tirando Israel, os EUA foi a nação cujo risco-país mais subiu neste ano, quase dobrando.
Além da piora na saúde fiscal americana, o presidente do BC citou alguns alguns fatores técnicos como motivadores da alta nas treasuries. “A China está fazendo intervenções na moeda e, para isso, ela vende treasuries, além disso, houve leilões que tiveram uma concentração atípica, então há vários fatores macroeconômicos.”
Quando mais treasuries no mercado, via venda chinesa ou mais leilões, por exemplo, menor o valor nominal deles, seguindo a lei de oferta e demanda. Mas a relação preço-remuneração desses papéis é inversamente proporcional. Quanto mais baratos, maior a taxa de juros que eles pagam.
O presidente do Banco Central disse que esta dinâmica pode impactar o Brasil. “Em termos de política monetária, eu acho que todos os olhos agora estão na classificação da curva americana.”
Juros mais altos na renda fixa americana tendem a fortalecer o dólar e drenar recursos de investimentos mais arriscados, como em países emergentes. Uma taxa de câmbio mais alta por aqui pode fortalecer a inflação e levar o BC a frear o ritmo de cortes na Selic, que caiu de 13,75% para 12,75% este ano.
Segundo o economista, os núcleos de inflação brasileiros (que excluem componentes voláteis como alimentos e energia) têm surpreendido positivamente, levando a inflação doméstica a se comportar melhor que a média internacional.
Outro fator que pode elevar os preços é uma possível alta prolongada nos preços do petróleo, em caso de envolvimento do Irã na guerra entre Israel e Hamas.
“Ainda entendemos que 0,5 ponto percentual é um ritmo apropriado [de corte na Selic]. Vamos discutir, na reunião do Copom, as variáveis e ver o que nesse conjunto mudou desde a última reunião. Vamos comunicar [ao mercado] se tivermos a percepção de que algo mudou. Este não é nosso cenário hoje”, disse Campos Neto.