MARCOS GUEDES
DA FOLHAPRESS
Beatriz Haddad Maia, de 27 anos, é a mais velha entre as semifinalistas do Aberto da França. Não é um prodígio do circuito mundial de tênis, como sua próxima adversária, a polonesa Iga Swiatek, que, aos 22, já é bicampeã em Roland Garros e busca seu quarto título da série Grand Slam, a mais importante da modalidade.
A brasileira foi conquistando pouco a pouco seu espaço, em uma ascensão que não foi linear. Sempre demonstrou talento, mas levou tempo até chegar ao estágio atual. Ao fim da semana, a não ser que ocorra uma combinação muito específica de resultados, estará entre as dez melhores do ranking feminino.
“Desde o começo da minha carreira, passei por muitas barreiras. Fui dos torneios future para os challenger, ganhei WTA, agora estou aqui. Tudo na minha carreira foi aos poucos. Nunca fui, assim, rompedora. Estou muito feliz, vivendo um sonho”, afirmou, após a vitória sobre a tunisiana Ons Jabeur nas quartas de final em Paris.
Filha de uma professora de tênis, Laís Haddad, a paulistana passou a frequentar as aulas e pegou gosto pela bolinha amarela. Praticou várias modalidades, como o futebol, e, por sua altura -hoje, tem 1,85-, chegou a ser recrutada para jogar basquete. Preferiu manter o foco no tênis e lhe dar dedicação exclusiva.
Por isso, aos 14 anos, mudou-se de sua cidade, São Paulo, para Florianópolis, para treinar na academia de Larri Passos, notório por seu trabalho com Gustavo Kuerten. Depois, teve outros treinadores. E hoje demonstra grande sintonia com Rafael Paciaroni, de quem recebe orientações praticamente o jogo todo.
Haddad faz questão de tratar cada triunfo como “nossa vitória” e fala sempre no “esforço do time”. Um esforço que passou a apresentar resultados mais graúdos no ano passado e deixou a paulistana em um lugar aonde ela parece custar a acreditar que chegou. “Estou na semifinal de Roland Garros”, murmurou, assim que derrubou Jabeur.
Não que ela não fosse, desde menina, ambiciosa. Segundo sua mãe contou à ESPN, “desde os 14 ou 15 anos”, já pensava: “Eu posso ser uma top 30, uma top 20”. E estava nesse caminho, sempre degrau a degrau. Em 2017, aos 21 anos, entrou no grupo das cem melhores na lista da WTA (Associação das Tenistas Profissionais).
Aí, houve altos e baixos, com alguns altos bem relevantes. Em 2019, parecia estar se encontrando. Bateu a norte-americana Sloane Stephens, que era número quatro do mundo, em Acapulco. Em Wimbledon, tirou da disputa a espanhola Garbiñe Muguruza, que havia vencido o tradicional torneio de grama dois anos antes.
Chegou, então, uma carta que Bia nem conseguiu terminar de ler. Um teste havia acusado a presença de dois anabolizantes em seu organismo, e ela estava suspensa por doping. Como conseguiu demonstrar que o resultado do exame era fruto de suplementos alimentares contaminados, reduziu a pena a dez meses.
“Eu tinha muito receio do que as pessoas pensariam de mim. Sempre tive a preocupação de ser um exemplo, de ser uma inspiração. Talvez as crianças nem tivessem noção, mas eu tinha um medo de elas acharem que eu me dopava”, contou ao ge, no fim de seu gancho, em maio de 2020. “Posso garantir que daqui para a frente sou mais forte.”
Levou um tempo, porém, para que a brasileira se readaptasse ao circuito, também abalado pela pandemia de Covid-19. Em seu ritmo, de novo, passo a passo, foi galgando postos no ranking e retornou ao “top 100” em 2021. Em 2022, começou a dar demonstrações maiores da força que prometera e ganhou dois torneios de elite, ambos na grama: em Nottingham e em Birmingham.
Boa duplista, também colecionou bons resultados com diferentes parceiras -tem cinco títulos WTA, o mais recente em Madri, no mês passado, ao lado da belarussa Victoria Azarenka. E, neste ano, em Roland Garros, finalmente superou a segunda rodada na chave de simples de um Grand Slam, uma barreira antes intransponível.
A estreia foi fácil, com total domínio sobre a alemã Tatjana Maria. A partir daí, só jogos duros. A paulista levou quase três horas para derrubar a russa Diana Schnaider. Diante de outra russa, Ekaterina Alexandrova, salvou um “match point”. A espanhola Sara Sorribes Tormo vencia por 1 set a 0, tinha 3/0 na segunda parcial e caminhava para fazer 4/0 -perdeu, em quase quatro horas.
Ons Jabeur, sétima do mundo, apresentava um desafio de nível mais alto. No encontro anterior, em abril em Stuttgart, a tunisiana vencera a brasileira em sets diretos, com 6/3 e 6/0. Bia perdia a revanche por 1 set a 0 e, sacando em 5/5, tinha 0/30. Reagiu, venceu o “tiebreak” e saiu falando para o técnico: “Essa p… é nossa!”. No terceiro set, sufocou a forte adversária e fez 6/1.
Agora, o sarrafo está ainda mais alto. Na tarde de quinta-feira (8), a brasileira enfrentará a líder do ranking, Iga Swiatek, que passou com facilidade pela sexta colocada, a norte-americana Coco Gauff. Dificílimo, mas Haddad demonstra confiança e bateu a polonesa no único confronto que teve com ela, em Toronto, em quadra rápida, no ano passado.
É mais um degrau a ser superado.