Antoine Daher e Roberto Giugliani
Ao nascer, um indivíduo com doença rara começa uma corrida contra o tempo: 30% deles não chegarão aos cinco anos de idade, pois essas enfermidades são geralmente progressivas e incapacitantes, comprometendo diversos sistemas e funções e podendo levar ao óbito precoce.
Por outro lado, pacientes podem levar muitos anos até o diagnóstico e efetivo tratamento, passando por diferentes profissionais, exames muitas vezes caros e sofisticados e, em alguns casos, cruzando o país em busca
de especialistas ou procedimentos.
Quadro que se torna ainda mais urgente ao considerarmos que até 13 milhões de brasileiros sofrem com uma das cerca de 9.000 doenças raras conhecidas.
O desafio de diminuir essa jornada levou à criação, em Porto Alegre (RS), da Casa dos Raros, centro pioneiro na América Latina para ampliar o acesso ao diagnóstico rápido e preciso, estabelecer um plano de tratamento, fomentar pesquisas e treinar profissionais em doenças raras. A iniciativa busca formar uma rede de centros semelhantes que chegue futuramente a todas as regiões do país.
Mas para que esses esforços mudem a realidade dos raros, é preciso ir além, mobilizando com urgência todos os setores da sociedade, especialmente os governos. É preciso um trabalho permanente por políticas públicas que, entre outras coisas, agilizem o diagnóstico e o acesso ao tratamento.
Veja-se o teste do pezinho: em 2021, a Lei 14.154 ampliou de seis para mais de 50 as doenças detectadas na triagem neonatal via SUS. Dois anos depois, apenas a toxoplasmose congênita já foi incorporada — e o
teste mais abrangente está disponível somente na rede privada.
Temos, também, de ampliar os Serviços de Referência em Doenças Raras no país, para atender localmente à demanda represada. Há ainda o desconhecimento sobre essas doenças, exigindo mais conscientização e
qualificação dos profissionais de saúde para reconhecer sinais relacionados a essas condições.
Além do prejuízo à qualidade de vida do paciente e da sua família, essa difícil jornada também onera os sistemas de saúde público e privado, com consultas e exames intermináveis, procedimentos por vezes desnecessários e, não raro, diagnósticos equivocados.
Com os avanços da ciência e tecnologia, conseguimos, cada vez mais, oferecer melhor qualidade de vida à população. Mas agora temos de fazer essas conquistas chegarem aos raros, com políticas eficientes.
Nessa corrida contra o tempo, a opção pela vida deve prevalecer.
Antoine Daher é empresário, fundador da Casa Hunter, presidente da Febrararas (Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras) e cofundador da Casa dos Raros. Roberto Giugliani é médico geneticista, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fundador do Instituto Genética para Todos e cofundador da Casa dos Raros.