*Daniel Medeiros
Nas últimas semanas, as redes sociais ficaram repletas de duras críticas a Israel por causa dos bombardeios ao território de Gaza. Imagens de destruição e morte foram exibidas sem filtros, para denunciar o que foi chamado de “genocídio” e Gaza, o “maior campo de concentração a céu aberto do mundo”. Curiosamente, por aqui, apenas a direita mais extremada, aquela que lutamos para vencer em nome da democracia e da civilidade, fez a defesa de Israel – mesmo que de forma equivocada – e seu direito de responder ao brutal ataque do grupo terrorista Hamas contra jovens em uma rave e contra mulheres e crianças de um assentamento.
Os mais progressistas, que defendem direitos para as mulheres, que defendem direitos de opinião, que defendem direitos para a comunidade LGBTQ, que defendem o direito de escolha sobre a continuação da gravidez, que defendem as minorias, colocaram uns panos quentes sobre o Hamas, evitando associar o nome “terrorista” a eles, e ignorando completamente que se trata de um grupo fundamentalista que governa a faixa de Gaza de maneira autoritária, sem nenhuma preocupação com os direitos dos árabes que habitam aquele território. Todos os direitos que os grupos progressistas defendem existem em Israel. Aliás, Israel é a única Democracia em toda a região.
Para muitos desses manifestantes progressistas, os mortos inocentes de Israel foram ignorados, como se houvesse morto “bom” e morto “ruim”, a velha retórica autoritária que os mesmos progressistas repudiam quando vêm da boca de um “coronel” ou de um “capitão”, raivosos em sua sanha contra os bandidos que são, na sua maioria, inocentes pobres e pretos no lugar errado na hora errada. Da mesma forma, quando ouço referência aos “judeus”, seguido de alguma acusação grave, como “genocida” ou “nazista”, penso que talvez fosse interessante lembrar que há uma maioria de judeus que se opõe, fortemente, intensamente, à generalização de que todo palestino é um inimigo em potencial e também há um contingente enorme de judeus que se opõe ao atual governo de Israel e que há meses esses judeus se manifestam em praça pública contra os desmandos dele. E que há uma maioria consistente de judeus pelo mundo que sempre defendeu, para o bem de Israel, a formação de um Estado palestino soberano, viável, com fronteiras seguras. Aliás, essa foi a proposta da ONU em 1947, aceita por Israel e inviabilizada por uma coligação de países árabes, muitos dos quais não aceitam até hoje a existência de Israel.
Mas esses filigranas históricos não parecem ter muita importância para um certo ramo da “esquerda” brasileira que consegue, ao mesmo tempo, opor-se aos bolsonaristas e defender os “direitos” dos fundamentalistas islâmicos. Se é ignorância ou antissemitismo, (ou provavelmente as duas coisas), não dá pra afirmar, sendo que as duas coisas são estúpidas e inaceitáveis. O Hamas não é o povo palestino e, portanto, defender o direito legítimo de os palestinos terem um país seu não se confunde com ignorar a extrema violência praticada pelo Hamas há duas semanas em território israelense. Da mesma forma que é inadmissível uma punição coletiva ao povo da Palestina, matando crianças e mulheres que, evidentemente, não têm nenhuma responsabilidade sobre as ações dos criminosos do Hamas.
Parece claro que o que se deve condenar está diante dos nossos olhos: os inocentes não podem pagar pelo extremismo que ignora a existência do outro e acredita que o mundo ficaria melhor sem a presença deles. Um tipo de “solução final” que sempre embalou os delírios mais sinistros da humanidade. E essa condenação é simples de expressar: não há “inocente morto bom ou ruim”. Não há justificativa histórica, política, social, econômica, psicológica ou de que natureza for para encobrir o que não passa de preferência fanática por um lado contra o outro. O que esses fanáticos ignoram, deliberadamente ou não, é que Palestina e Israel são duas faces da mesma moeda. Para que a moeda exista e possa ser usada, é preciso aceitar essa natureza. As crianças degoladas de Israel e as crianças mortas pelo bombardeio indiscriminado do exército de Israel são as duas faces que fazem essa moeda tornar-se sem valor e sem dignidade. Não há solução quando gritam “Israel” ou quando gritam “Palestina”. E quem grita sabe disso. Quem quer solução não grita. Conversa.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros