VIVIAN MASUTTI
FOLHAPRESS
Ela veio para ficar. Aos 31 anos, a narradora e bailarina Renata Silveira dança, desde sua estreia no Grupo Globo, em 10 de março, as batidas certeiras da bola rolando em campo sem olhar para trás.
Renata fez história ao ser a primeira mulher do país a exercer a função de locutora de um jogo de futebol, papel majoritariamente desempenhado por homens no rádio e na TV.
“É um caminho sem volta. A gente já está ocupando esse espaço e a tendência é que mais mulheres venham fazer o que eu estou fazendo”, conta ela. “Os homens também precisam abraçar a causa. Se ficarem lutando contra isso, não vamos chegar a lugar nenhum.”
E conta que não é fácil ser precursora. As críticas, boas ou não, vêm por todos os lados. Principalmente pelas redes sociais. Recentemente, foi xingada por um torcedor do Botafogo após a queda da equipe carioca na Copa do Brasil. “Avisei que mulher, Botafogo e Copa do Brasil não dá certo”, disse o triste comentário, depois da partida contra o ABC. Renata, que não costuma “dar palanque”, não se conteve e respondeu.
“Estranhar uma narração feminina não tem problema nenhum. Tudo o que é novo a gente estranha. Se você come algo que você nunca comeu, você vai estranhar o gosto e não é diferente com a narração feminina. A questão é não respeitar ou falar que não gosta só porque é uma mulher falando de futebol. Isso ainda incomoda muito essa parcela. E isso não só homem. Há o machismo que é praticado por mulher também.”
Bailarina por formação (é professora de educação física e dona de uma academia de dança no Rio), Renata se inscreveu no concurso Garota da Voz, da rádio Globo, o qual venceu em 2014, sem ter na memória referências femininas ao narrar.
“Meu pai era aquele que ficava com o radinho de pilha acompanhando os jogos na rádio e eu ficava com ele também. Eu nunca tive uma inspiração de ver alguém e querer ser igual e nunca tinha passado pela minha cabeça trabalhar com isso. Nunca foi uma realidade para mim ter visto uma mulher narrando”, conta.
Acabou entrando na área pelo apoio dos amigos, que a incentivaram pelo gosto que Renata sempre teve pelos esportes e pelo fato de ter uma boa voz.
Após desbancar as 77 candidatas no concurso da Globo, não parou mais. E acabou se destacando ao mostrar jogo de cintura na narração da partida que teve a parada cardiorrespiratória do jogador dinamarquês Cristian Eriksen.
“Acredito que nós somos o futuro das próximas gerações. Está tudo sendo construído e está apenas começando”, avalia ela.
Está mesmo. Meses após sua estreia, a locutora ganhou a companhia da também narradora e amiga Natália Lara no exercício da função. Mas será de Renata a responsabilidade de narrar o futebol masculino e feminino da Olimpíada de Tóquio, que começa no dia 23. “Vai ser a primeira vez que vou participar. Já fiz Copa e um ou outro campeonato, mas Olimpíada é a primeira vez. Eu estou contente de ser uma das vozes que vai contar tantas histórias bonitas que virão.”
Dona de um estilo conciso e pontual, ela pretende se aprimorar enquanto não cria seus bordões. “Não tenho um estilo formado. Acho que ele vai se formando ao longo do tempo e às vezes a gente vai descobrindo a melhor forma de se identificar com o público. Mas isso é difícil falar, pois estou em construção”, finaliza.
Episódio com Christian Eriksen foi o mais importante da carreira
É com um embargo na voz que Renata Silveira se recorda daquele episódio que ela mesma classifica como um dos mais desafiadores de sua carreira. Foi há cerca de um mês, quando o jogador dinamarquês Christian Eriksen caiu desacordado em partida contra a Finlândia, válida pela Eurocopa.
Aos 29 anos, o atleta desabou em campo, após uma parada cardíaca, e foi submetido a uma reanimação cardiopulmonar. O atendimento no gramado levou 11 minutos e 14 segundos. Sua mulher, Sabrina Jensen, chegou a ir ao local e foi acalmada pelos colegas de equipe do marido.
Enquanto o jogador era socorrido, os companheiros de time chegaram a se posicionar de costas para ele, em círculo, tensos com o desenrolar da situação.
Quem estava na narração era Renata, que assumiu ter ficado tremendo com o ocorrido. Ela contou ainda ter segurado na mão de Paulo Nunes, ex-jogador com quem dividia a cobertura na ocasião.
“Foi um dia muito triste. Ficamos muitas horas no ar. Tinha o Paulo Nunes ali e a Ana Thaís Matos também estava comentando. Mas tínhamos um time muito grande de pessoas envolvidas com o que estava acontecendo na produção”, rememora a jovem locutora.
“Foi o dia mais difícil e mais importante da minha curta carreira e acho que não vou nunca mais viver o que eu vivi aquele dia, tamanha a importância daquele jogo, da ansiedade de dar a informação, de a informação ser positiva após tanto tempo no ar”, completa.
Eriksen se recuperou bem, após ser encaminhado a um hospital.