REINALDO SILVA
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“Recusar à mulher igualdade de direitos em virtude do sexo é negar justiça à metade da população.” A autora da frase é Bertha Lutz, símbolo da luta pela participação feminina na política brasileira. Foram anos à frente dos movimentos populares até a aprovação da lei que outorgou o direito de votarem e serem votadas.
Nascida em 1894, Bertha Lutz foi educada na Europa, se formou em Biologia e tomou contato com a campanha sufragista inglesa. Entende-se por sufrágio a mobilização em defesa do voto universal.
Ela voltou ao Brasil em 1918 e ingressou, por concurso, como bióloga no Museu Nacional, sendo a segunda mulher a entrar no serviço público brasileiro. Ela morreu em 1976, aos 84 anos, e conseguiu ver as sementes que plantou, no início do século 20, germinarem e darem frutos que pouco a pouco vão sendo colhidos.
A quatro dias das eleições, o Diário do Noroeste segue com a série de reportagens sobre o voto no Brasil. Desta vez, o objetivo é contar a história do voto feminino, com foco na representatividade política, e demonstrar a importância das mulheres como protagonistas no processo de transformação da sociedade.
O direito ao voto foi garantido às mulheres em 1932, por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas. Não demorou para que ela, a precursora do movimento sufragista no Brasil, Bertha Lutz, se candidatasse a uma vaga na Assembleia Nacional Constituinte de 1934.
História – Quem conta o que aconteceu em seguida é a professora da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Paranavaí, Isabela Candeloro Campoi, doutora em História e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Bertha não conseguiu se eleger, mas, suplente, acabou assumindo o mandato de deputada na Câmara Federal em julho de 1936.
A participação das mulheres no processo eleitoral não duraria muito. Em 1937 veio a ditadura do Estado Novo, com o fechamento das casas legislativas. “Foi uma experiência curta”, resume a professora Isabela Candeloro Campoi. Curta e restrita às mulheres que exerciam função pública remunerada.
Somente com a Constituição de 1946 é que o direito de votar foi ampliado para todas as mulheres. O artigo 131 considerava eleitores todos “os brasileiros maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei”.
Em 1985, outra barreira foi superada e as pessoas analfabetas também foram incluídas na lista de eleitores brasileiros. Para se ter uma ideia, na década de 1980, mais de 27% das mulheres adultas não tinham qualquer grau de escolaridade, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Realidade – Quando iniciou sua luta pela participação feminina na política, Bertha Lutz pregava a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Mas a realidade ainda parece distante do que ela defendia. Mais de 40 anos depois de sua morte, mesmo com os avanços garantidos pela Constituição Federal de 1988, um abismo parece separar as duas populações.
Embora representem 53% do eleitorado brasileiro, as mulheres têm pouca participação nos espaços públicos de poder. Em 2020, apenas 15% das pessoas eleitas eram mulheres, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No Senado, por exemplo, ocupam 17,28% das cadeiras. Neste ano, as candidaturas femininas bateram recorde, alcançando 33,3% nas esferas federal, estadual e distrital.
A Câmara de Vereadores de Paranavaí destoa da média brasileira e reúne quatro mulheres, ou 40% das cadeiras legislativas. Aparecida Gonçalves e Fernanda Zanatta foram eleitas diretamente. Maria Clara Gomes e Zenaide Borges eram suplentes e assumiram os mandatos depois da cassação dos direitos políticos de dois parlamentares – homens – por fraude à cota de gênero.
Cida Gonçalves – Aparecida Silveira Gonçalves considera que o assunto “mulheres na política” não é tratado com a naturalidade que merece. “Ainda sentimos que é novidade.” De fato é, continua a vereadora, “pois, apesar de toda nossa capacidade, já demonstrada ao longo da história, ainda não temos a representatividade que nos é devida”.
A parlamentar fala de violência doméstica, abusos sexuais e desigualdade salarial. Sentencia: “Não é mais passível de aceitação ainda termos essas condições.” As mudanças começam com a política “e com o direito de tomarmos nosso lugar de acento nos parlamentos, no Executivo e em todas as esferas de governança”.
Fernanda Zanatta – Autora do projeto de lei que garante à mulher em trabalho de parto o acompanhamento de uma doula em qualquer unidade hospitalar de Paranavaí, Fernanda Maria Zanatta encampou outra discussão na Câmara de Vereadores: a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda. Mesmo com a proposta não sendo aprovada, a campanha continuou e se transformou em ação voluntária, alcançando meninas de escolas públicas.
Sendo mulher, Fernanda Zanatta entendia o quanto a falta do acessório íntimo pesava na prática de atividades diárias, por exemplo, ir à escola ou ao trabalho. “Quando a gente trouxe [a discussão] para dentro da Câmara, os homens começaram a ver a importância daquilo.” O projeto esbarrou em questões legais, mas mostrou que “a mulher desenvolve papel fundamental em qualquer âmbito, e no âmbito político não é diferente”.
Maria Clara – Mais jovem vereadora da história de Paranavaí, Maria Clara Gomes parece ter a experiência de quem está há anos na vida pública. Não tem medo de se posicionar. Para ela, “a participação da mulher em cargos eletivos contribui para o enfrentamento à violência política de gênero”. Segue: “Se nos espaços de poder e decisão não houver a participação feminina, automaticamente a pluralidade de visões de mundo e ideias não será, de fato, ampla”.
A parlamentar avalia que a falta de mulheres na política traz consequências para a formulação a e execução de políticas públicas não somente no que diz respeito ao gênero feminino, mas em todos os aspectos, “tendo em vista que o olhar da mulher para muitas questões – como saúde, educação, assistência social, segurança pública, planejamento e urbanismo, habitação, empreendedorismo e empregabilidade – é diferente”.
Zenaide Borges – “Fui, por dois mandatos, a única mulher do Legislativo. Fiz o meu trabalho e tenho muito orgulho de tudo que pude contribuir, mas hoje me sinto muito privilegiada de ter outras três companheiras e um Legislativo com 40 % de representação feminina.” As palavras da vereadora Zenaide Borges não têm a pretensão de desmerecer a participação dos homens, “extremamente importantes e que desenvolvem seu papel com louvor”, mas “não existe mais a possibilidade de não termos a representação feminina na política.”
Para a vereadora, “chegamos a um reconhecimento grande, mas ainda existe uma parte da população feminina que continua sofrendo e é esquecida. É aí que nós, como legisladoras, precisamos nos comprometer diariamente e mudar esta realidade”.
Elas por elas – Admiradora de Bertha Lutz, que inspirou as mulheres na luta pelo direito ao voto, a professora Isabela Candeloro Campoi reforça que a atuação no âmbito político não é igualitária para eles e elas. Destaca que elas ainda são constantemente interrompidas por eles enquanto falam, têm argumentos diminuídos, pensamentos descaracterizados. “A política é um ambiente inóspito para mulheres.”
Na opinião da professora da Unespar, contornar esse problema e reverter a situação requerem mais do que votar em mulheres: é preciso escolher aquelas que pensem em pautas femininas – equiparação salarial, mais creches, fortalecimento da Lei Maria da Penha, políticas públicas de saúde e assistência social.