REINALDO SILVA
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Sem um teto para servir de abrigo, as noites frias castigam as pessoas em situação de rua. Protegem-se como podem: os cobertores doados, as refeições servidas por voluntários, a esperança de mudar as condições de vida.
Nos bairros mais afastados ou na área central da cidade, acomodam-se em espaços públicos, buscam refúgio em imóveis vazios ou se abrigam abaixo de marquises de prédios empresariais. Podem passar despercebidos por aqueles que seguem apressados, envolvidos com a rotina e as preocupações diárias, mas existem e tentam, a todo custo, sobreviver.
Na manhã de ontem, a cena chamou a atenção. Deitados em uma calçada na Avenida Paraná, homem e mulher dividiam um pequeno espaço e compartilhavam cobertas e alimentos reunidos graças a doações.
O casal alega que está em Paranavaí há três meses e não consegue buscar auxílios governamentais, já que os documentos foram furtados. Por causa da falta de acesso às ferramentas para emitir a segunda via, eles esperam.
Os dois fazem o que podem a fim de conseguir alguns trocados que lhes garantam o que comer, caso a ajuda da comunidade não venha. Nas latinhas de bebidas que recolhem das ruas, encontram uma maneira de mostrar que se esforçam. Ele as utiliza para criar e vender. Diz que a arte não tem preço e que cada item é único e possui um valor diferente – o da solidariedade.
Já foram convidados para dormir em abrigos disponibilizados pela Prefeitura de Paranavaí, mas não aceitaram. Nos dias mais frios do ano, as equipes de abordagem da Assistência Social saem para encontrar quem vive em situação de rua e oferecer a chance de dormir no Centro da Juventude, na Vila Operária. Os que se dispõem recebem refeições e cobertores e podem pernoitar no local.
Nem todos vão. Da mesma forma que acontece em associações, abrigos e casas de passagem, para passar a noite no Centro de Eventos existem regras – e não poderia ser diferente. Alguns não se adaptam às exigências e permanecem nas ruas.
Em recente entrevista ao Diário do Noroeste, a promotora de Justiça Marcia Felizardo Rocha de Pauli, que responde pela 2ª Promotoria da Comarca de Paranavaí, disse que “a condição de situação de rua existe devido às desigualdades abissais em nosso sistema”.
O relatório “The World Inequality Report 2022”, divulgado no fim do ano passado, mostrou que as diferenças econômicas cresceram durante a pandemia de Covid-19. Para se ter uma ideia, metade da riqueza nacional está nas mãos de 1% dos brasileiros, enquanto a metade mais pobre da população detém menos de 1% da riqueza.
Alheios às estatísticas, mas experimentando essa realidade na prática, todos os dias, homem e mulher sorriem timidamente quando contam que sempre têm dois pãezinhos por perto assim que acordam. Arriscam dizer que a ajuda vem “daquele senhorzinho”, “é, acho que é ele mesmo”.
Os dois concordam que a presença deles na área central incomoda muita gente, afinal, destoam do cenário urbano ideal. Até receberam proposta para voltarem à cidade de origem, com passagem paga e tudo, “querem resolver o problema jogando o problema para outro lugar”, avalia ele. Porém, pretendem continuar em Paranavaí até que entendam, por conta própria, que devem seguir em frente.
De acordo com a Secretaria de Assistência Social, faz parte das políticas públicas garantir passagens de ônibus para as pessoas em situação de rua, a fim de que retornem para onde estão seus familiares e recuperem os vínculos, tentando a reinserção na sociedade.