LUCAS BOMBANA
DA FOLHAPRESS
As medidas preparadas pelo governo para impulsionar o mercado de crédito foram bem recebidas por especialistas do mercado.
Economistas de corretoras e gestoras de recursos elogiaram o pacote, antecipado pela Folha de S.Paulo, que prevê ações como facilitar o compartilhamento com os bancos de dados dos clientes na Receita Federal, acabar com o teto para empréstimos entre particulares e flexibilizar exigências para a emissão de debêntures
Eles veem nas medidas potencial de estimular a concessão de crédito em um momento de menor apetite dos bancos, cautelosos após o caso da Americanas e o cenário externo, com as dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor bancário nos EUA e na Europa.
As ações discutidas pelo ministério da Fazenda, que contam ainda com o programa de renegociação de dívidas Desenrola, foram elencadas pelo secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Apesar da avaliação positiva, os especialistas dizem também que, mais do que estimular o crédito, o governo precisa voltar as atenções para as discussões em torno da nova regra fiscal, que é o que vai permitir um crescimento sustentável, de fato, da economia.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) avalia como “bastante positiva” as medidas em estudo pelo governo para destravar o mercado de crédito.
“Algumas das medidas fazem parte de sugestões que a Febraban e o setor bancário já haviam sugerido ao novo governo e a entidade se compromete a continuar trabalhando, em conjunto com entidades governamentais, para a redução do custo de crédito e o aumento da sua oferta para as famílias e empresas”, diz a federação dos bancos em nota.
Ainda de acordo com a Febraban, as medidas anunciadas, uma vez implementadas, serão um reforço importante para redução das taxas de juros cobradas no país.
“No sentido geral, as medidas em estudo são positivas, e refletem a visão do governo de tentar destravar juridicamente as questões que envolvem devedores e credores, que sempre foram um entrave para a expansão do crédito no Brasil”, afirma Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
Economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management, Julio Hegedus Netto acrescenta que as medidas econômicas possuem um viés mais microeconômico e vão na direção correta, ao facilitar o trânsito entre devedores e credores.
No caso de dar aos credores acesso aos dados da receita dos clientes inadimplentes, Hegedus Netto diz que a medida tende a destravar a oferta de crédito.
“Isso deve ser ainda mais forte nas pequenas e médias empresas, pois o credor, ao ter acesso aos dados fiscais e patrimoniais dos devedores, passa a ter mais elementos para a concessão de crédito. Isso tende a reduzir bem o custo de transação”, diz o especialista.
O economista André Perfeito acrescenta que o maior acesso dos bancos aos dados das empresas vai em linha parecida com o programa Cadastro Positivo, que avalia o histórico de pagamento dos consumidores na hora de calcular os juros para fazer a concessão de crédito.
“São questões muito bem-vindas que fazem parte da uma melhoria contínua das condições para o funcionamento do mercado que têm de ser adotadas de tempos em tempos”, afirma Perfeito.
Hegedus Netto, da Mirae Asset, lembra ainda que a inadimplência segue em patamares bastante elevados, assim como o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas.
“Algo precisará ser feito”, afirma o economista-chefe da corretora de origem coreana, que aponta o programa Desenrola para renegociação de dívidas como uma importante iniciativa nesse sentido, com a possibilidade de deságios de até 95% nas dívidas em atraso.
“O programa pode trazer um alívio temporário para algumas famílias, mas não resolve toda a situação”, afirma Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos.
Margato diz ainda que a possibilidade de extinguir o teto para os empréstimos entre particulares também é bem avaliada. Ele lembra que a iniciativa recente do governo de tentar impor um teto para o crédito consignado para os beneficiários do INSS trouxe reflexos negativos, com uma série de bancos suspendendo a concessão da modalidade.
“A imposição de um teto de juros tende a desestimular a oferta de crédito. Portanto, a não imposição de um teto é bem avaliada”, afirma Margato.
Já Guilherme Ferreira, sócio da gestora de ativos estressados Jive Investments, diz que vê com bons olhos a busca do governo por um aumento da eficiência na execução de garantias.
“O sistema de cobrança e execução atual é falho, lento e ineficaz, e dificulta a distinção entre bons e maus pagadores, resultando em um problema de seleção adversa e taxas de juros mais elevadas para todos”, diz Ferreira.
O sócio da Jive afirma ainda que a ideia de “desjudicializar” a execução já foi testada com sucesso em diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
“Aqui, a alienação fiduciária de imóveis, que tira o processo de execução dos créditos imobiliários do Poder judiciário e o transfere para os cartórios, levou a um grande crescimento no crédito imobiliário. Isso sugere que medidas semelhantes para outros tipos de crédito podem ter um efeito positivo semelhante no mercado de crédito em geral, além de aliviar o Poder Judiciário, permitindo que se concentre em casos mais complexos e urgentes.”
Apesar da avaliação positiva, o economista-chefe da Mirae Asset diz que, junto com as medidas para estimular o crédito, é necessário um novo conjunto de regras fiscais que abra espaço para o BC (Banco Central) iniciar o processo de corte de juros.
Ele lembra que, em 2016, quando o governo da ex-presidente Dilma Rousseff começou um programa de estímulo ao crédito, o BC estava indo em direção oposta, em uma trajetória de aumento dos juros, o que fez com que as famílias acabassem optando por não se endividar.
“As duas políticas, monetária e fiscal, devem sempre ser complementares, uma depende da outra.”
Perfeito diz que a apresentação do novo arcabouço fiscal é uma espécie de plano de negócio, e que o BC precisará ver as ações previstas sendo adotadas efetivamente para então passar a considerar uma alteração nos rumos da política monetária. “O plano vai se provar viável ao longo do tempo”, afirma o economista.
Ele acrescenta que o estudo para a flexibilização para a emissão de debêntures pode ter um efeito limitado enquanto o juro básico permanecer no patamar atual. “Uma coisa é tomar dívida com a Selic em 2%. Outra é quando está em 13,75%.”
Vale, da MB Associados, diz que, enquanto no primeiro mês, o governo demonstrava a intenção de estimular o crescimento da economia de qualquer maneira, agora o foco parece ter mudado, com a atenção mais voltada para a nova regra fiscal, e com a questão do crédito sendo avaliada de uma maneira mais estrutural.
“Embora as medidas de crédito sejam positivas, neste momento o foco central do governo tem de ser o fiscal, que é o que vai permitir a redução do custo de crédito de forma efetiva.”
O governo indicou nesta semana que a apresentação da nova regra fiscal deve ficar para o início de abril, após a viagem do presidente Lula à China.
– Acesso a dados
Facilitar que clientes compartilhem com os bancos seus dados -presentes nos sistemas da Receita Federal e do Cadastro Único, por exemplo-, para comprovar real condição financeira e obter crédito com juros adequados a cada situação. Pode ser feito em grande parte por normativos do Poder Executivo.
– Debêntures
Flexibilizar exigências para a emissão. Seria dispensada, por exemplo, a necessidade da convocação de assembleia-geral (o aval poderia passar a ser da diretoria ou do conselho). Assim como o registro da escritura em junta comercial. Exige mudança em lei.
– Teto de juros
Governo quer alterar Código Civil para acabar com o teto existente para empréstimos entre particulares -hoje restrito à taxa básica (a Selic). Interpretação é que limite atrapalha o desenvolvimento do mercado de capitais e canaliza recursos para bancos tradicionais. Exige mudança em lei.
– Bancos públicos
Flexibilizar exigências legais e dispensar apresentação de documentos, como comprovação de estar quite com as obrigações eleitorais. Pode demandar mudança em lei.
– Execução de dívidas
Projeto de lei para acelerar e facilitar a execução das dívidas por parte de devedores cobrados na Justiça (em casos fora da recuperação judicial). Entre as soluções em discussão, está passar a parte administrativa da execução (como identificação de bens e avaliação de valores) para advogados, empresas especializadas ou cartórios. Exige mudança em lei.
– Marco das garantias
Governo vai apoiar tramitação do projeto de lei criado pelo governo Bolsonaro e que está no Senado (já passou pela Câmara), mas com ajustes (como rever a criação da instituição garantidora).
– Seguros
Ampliar a atuação de cooperativas de seguro, que hoje atuam de forma limitada, para aumentar a competição no setor.
– Desenrola
Programa voltado a pessoas físicas permitirá descontos de até 95% das dívidas de negativados, e refinanciamento com taxa de juros limitada a 1,99% ao mês e prazo de 60 meses.