REINALDO SILVA
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As batidas fortes dão ritmo para uma manifestação cultural e religiosa profundamente ligada à população negra. Para a professora Karitta Lopes, o maracatu é uma brincadeira sagrada que também representa a resistência contra o preconceito racial e os duradouros efeitos dos 300 anos de escravidão dos povos africanos e seus descendentes em terras brasileiras.
Karitta Lopes é uma das fundadoras e batuqueira do grupo Roda do Encanto, de Maringá, e esteve em Paranavaí neste fim de semana para o Festival Vozes Negras. Especificamente na apresentação de domingo (23), recebeu permissão para ser a regente, em razão da ausência da coordenadora Laís Fialho.
A música envolvente atraiu a atenção do público e alguns espectadores ensaiaram passos para acompanhar os instrumentos. “Ficamos emocionados. Embora tenhamos vindo com o grupo reduzido, as pessoas interagiram”, avaliou a integrante do Roda do Encanto.
A participação no festival também mostrou a necessidade de fortalecer o movimento negro e articular ações integradas. A Associação Negritude de Promoção da Igualdade Racial (Anpir) ganhou destaque na fala de Karitta Lopes. “É uma entidade extremamente importante para a cidade. Paranavaí tem uma das maiores porcentagens de moradores negros do Paraná, mais de 40%.” O dado é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo Demográfico de 2022.
Sobre a tradição do maracatu, ela contou que o berço dessa manifestação cultural e religiosa é Recife, capital pernambucana, onde existem diversas nações, assim chamados os grupos. Todas as nações são ligadas a favelas, comunidades marginalizadas e que até hoje sofrem os impactos do colonialismo português. “As marcas estão por toda a estrutura da cidade.”
“A tradição do maracatu nasceu dentro dessas comunidades majoritariamente negras, periféricas, junto com os terreiros de candomblé. Os terreiros eram perseguidos pela polícia, então, para que as mães de santo pudessem tocar seus candomblés, fazer os rituais, cuidar do axé e da tradição, os homens iam para a rua toando maracatu, para que a polícia fosse atrás deles. Por isso o maracatu também é chamado de candomblé de rua.”
A professora disse considerar que a origem e a continuidade do movimento motivam preconceito religioso. “A gente sofre muita perseguição em Maringá.” Em 2023, durante a festa anual que celebra o maracatu, o grupo Roda do Encanto foi alvo de denúncias que partiram da própria vizinhança. “Não era o som, a altura dos instrumentos, era a macumba que estava incomodando.”
Apesar das dificuldades, o grupo maringaense segue firme no propósito de preservar as tradições e mostrou disposição para voltar a Paranavaí sempre que for convidado. “É necessário ganhar espaço, botar a cara na rua, sair.”
A entrevista ao Diário do Noroeste foi após a apresentação do grupo na tarde de domingo.
FESTIVAL
Além do grupo Roda do Encanto, o Festival Vozes Negras contou com apresentações de Gustavo Bernardes, na guitarra instrumental, Nubia Rafaela e Thiago Guglielmi, com o especial Vozes Negras, e Nenê Conexão e Banda, que levou à Praça dos Pioneiros samba e pagode.
Idealizado por Thiago Guglielmi e Nubia Rafaela, o projeto é financiado com recursos oriundos da Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal, através do Ministério da Cultura, e da Fundação Cultural de Paranavaí.