*Renato Benvindo Frata
Longe de mim o pecado, o ultraje e a infâmia, mas há acontecimentos que, por mais que queiramos entender, a interrogação não deixa e, sem qualquer despudor ou ato pecaminoso, ouso focar um caso que, se melindrar alguém que me perdoe, o objetivo não é ofender o Sagrado.
É o caso da maçã mordida por Adão e suas consequências materiais e sociais que me deixam confuso. Nele e por causa dele, o Todo Poderoso, ao ter uma ordem sua desatendida, talvez num ato de extrema decepção, expulsou Adão e Eva do Paraíso, tirando-lhes toda a benesse ou sinecura com que lhes presenteara quando os fez: um com barro e a outra com partes da costela do primeiro.
E aí nascem os senões: a Previsibilidade versus a Onisciência.
A previsibilidade reside na possibilidade como foco: num homem são, na presença de uma mulher bonita – caso de ambos -, nus, dia e noite, sem outra preocupação senão a de se alimentar e de um tirar carrapichos dos cabelos do outro, era de se prever que, mais hora, menos hora, acabassem por se deixar levar pelo canto inebriante de um sibilo, para não dizer sussurro… mesmo que esse partisse de uma serpente! Quem, em sã consciência, discorda?
Dá para se dizer, com relação ao episódio, que a Balança da Justiça Dele nessa hora, devia estar escangalhada pela incapacidade de aferir: 1) o grau da ofensa a Si próprio para a aplicação da pena extrema; 2) a vulnerabilidade do casal despido de qualquer preceito ou preconceito; 3) a reprovabilidade de Adão que deu lá suas bocadas na tal fruta, sabendo-a proibida; 4) a inocência e pureza de Eva diante da pecaminosa serpente. – Lembra-se do ditado de que a ocasião faz o ladrão? – Pois é…
Mas não para por aí: à luz do Direito brasileiro, com a expulsão tão agressiva, cometeu Ele a maior perversidade. Conta o Livro Maior – que Adão e Eva eram seres inexperientes até por culpa Daquele que não se preocupara em lhes ensinar as mazelas humanas. Portanto, desconhecedores das eventualidades do mundo. Viviam em um Paraíso onde a fartura e a bem-querência ditavam regras. Ao nosso vocabulário, eram “filhinhos-do-papai”, desprovidos de capacidade de entender o caráter ilícito ou a gravidade divinal dos atos.
Inaugurou-se assim o primeiro caso que se tem notícia, de um pai colocar filhos em situação de rua (sem casa, sem estudo, sem comida, sem profissão e sem a quem pedir). Não bastasse isso, ao culpar exclusivamente Eva pelo deslize, acabou por cometer a primeira violência contra a mulher, esquecendo-se da participação do Adão no crime de desobediência. Não há no texto que, ao menos um puxão de orelha, lhe tenha sido aplicado por ter abocanhado a maçã com a gula de quem mastiga com gana uma fruta saborosa, não conhecida, mas aguçadora de apetite.
Considerando que as mulheres no mundo buscam o direito ao respeito, podemos afirmar que se nem Lá a coisa era boa, imagine cá que somos frutos daquela árvore. Para lembrar que a injustiça e a violência contra a mulher são antigas, mas há tempo de as sociedades se prevenirem em favor de mudanças a serem aplicadas diuturnamente na proteção física, moral, sexual, psicológica, econômica e patrimonial por meios físicos e cibernéticos, em busca da tão necessária igualdade concreta e eficaz de gênero.