LEONARDO VIECELI E DOUGLAS GAVRAS
RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de empregados do setor público bateu recorde com o impulso da abertura de vagas de trabalho sem carteira assinada no Brasil, indicam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Esse movimento vem sendo puxado pelos municípios, que, segundo economistas, tentam recompor o quadro de funcionários sem gerar uma pressão permanente sobre as finanças públicas.
Com as restrições fiscais, a abertura de postos temporários, sem carteira e fora do regime estatutário, é vista como uma saída para enfrentar as demandas em áreas como educação e saúde após a pandemia.
“A questão fiscal não é uma exclusividade do governo federal. Municípios e estados também sentem isso”, diz o economista Rodolpho Tobler, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
“Há uma demanda da sociedade por serviços como os de educação e saúde, e muitas vezes os governos não têm de onde tirar. Então, vão para opções de custo menor”, acrescenta.
No trimestre até novembro de 2022, o total de empregados do setor público foi estimado pelo IBGE em quase 12,3 milhões no país.
É o maior patamar da série histórica comparável da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), iniciada em 2012.
Em igual trimestre de 2021, o número era de 11,3 milhões. Ou seja, houve alta de 8,8% (993 mil a mais) em um ano.
A Pnad divide os servidores das esferas municipal, estadual e federal em três categorias: militares e estatutários, empregados com carteira assinada e empregados sem carteira.
No trimestre até novembro, os servidores sem carteira chegaram a 3,1 milhões, recorde da série histórica. O número significa uma alta de 28,4%, ou 692 mil a mais, frente a igual período de 2021.
Os militares e estatutários, por sua vez, alcançaram 7,8 milhões até novembro do ano passado. O avanço foi menor, de 2,3% (ou 177 mil a mais), ante igual período de 2021.
Já os empregados com carteira assinada no setor público somaram 1,4 milhão até novembro de 2022. O contingente subiu 10% no ano (124 mil a mais), um aumento que também foi inferior ao dos sem carteira.
Os servidores que não são celetistas, nem estatutários ou militares, preenchem ocupações diversas. Estão nesse grupo funcionários contratados de maneira temporária, consultores e estagiários, além de ocupantes de cargos eletivos ou comissionados.
Segundo economistas, não é possível igualá-los aos trabalhadores informais que atuam sem carteira ou CNPJ no setor privado.
Esses servidores, mesmo sem o registro celetista, podem ter algum tipo de salvaguarda e benefícios, incluindo contrato com o empregador (governo), 13º salário e férias proporcionais. São prerrogativas que não fazem parte da rotina dos informais da iniciativa privada.
“Por mais que esses empregados do setor público não tenham carteira, há uma estrutura por trás do trabalho deles”, afirma Tobler.
Adriana Beringuy, coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, ressalta que a categoria “possui um forte componente sazonal”.
Na área de educação, lembra a pesquisadora, profissionais costumam ser contratados no começo do ano letivo e desligados no final da temporada.
“O crescimento dos empregados sem carteira no setor público nos dados dos últimos trimestres da Pnad Contínua vem ocorrendo principalmente nos segmentos de educação e saúde”, diz Beringuy.
Alta nas prefeituras Um levantamento do economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, traz detalhes sobre o quadro a partir de microdados da Pnad referentes ao trimestre até setembro de 2022, o mais recente com essas estatísticas disponíveis.
Na ocasião, o número de empregados do setor público sem carteira já se aproximava de 3,1 milhões. Em relação ao mesmo trimestre de 2021, houve acréscimo de 799,4 mil postos de trabalho.
Dessa quantia, 605,8 mil (75,8%) vieram dos municípios, segundo o levantamento. “É um cenário ligado ao controle de gastos”, diz Imaizumi.
“Há uma necessidade de recompor os quadros de funcionários, mas as prefeituras não querem pressionar tanto as contas públicas, que já estão pressionadas.”
O levantamento também aponta as ocupações que mais geraram vagas entre os servidores sem carteira no trimestre até setembro de 2022, ante igual período de 2021. Esse recorte analisa as três esferas de governo (municipal, estadual e federal).
Os destaques foram trabalhadores de limpeza de interior de edifícios, escritórios e outros (117,7 mil a mais), ajudantes de professores (84,3 mil), escriturários gerais (75 mil), professores do ensino fundamental (74,7 mil) e entrevistadores de pesquisas de mercado (66,3 mil).
Em seguida, vieram professores do ensino pré-escolar (60,1 mil a mais), cuidadores de crianças (44 mil) e professores do ensino médio (37,4 mil).
“As pessoas perderam renda na pandemia. Quando isso acontece, há uma migração da educação privada para a pública”, afirma Imaizumi.
Ele destaca que, embora a crise sanitária tenha dado sinais de trégua, existe uma procura por serviços públicos de saúde, que tende a ser intensificada pelo envelhecimento da população.
O economista acrescenta que a volta das atividades presenciais também contribuiu para contratações de servidores. A realização do Censo Demográfico pelo IBGE, aponta o economista, estimulou a abertura de vagas temporárias sem carteira para entrevistadores da pesquisa.
“As contratações temporárias representam precarização para os trabalhadores, que ficam sempre inseguros sobre a continuidade do seu emprego”, diz o professor Hilton P. Silva, coordenador na Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Silva avalia que a falta de contratações permanentes prejudica os usuários do sistema de saúde, que perdem com frequência a conexão com os profissionais.
O coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, Andre Luiz Marques, pondera que é preciso manter a possibilidade de contratações temporárias no serviço público, mas que a modalidade deve ser usada corretamente.
“O município pode ter problemas pontuais de falta de professores ou pode estar passando por uma mudança na rede e não é preciso fazer uma contratação definitiva. No entanto, quando o ente público deixa de fazer um concurso necessário, está usando a contratação temporária de forma equivocada.”
A Lei Complementar 173, de 2020, permitiu a estados e municípios receberem recursos federais para o combate à pandemia. Em contrapartida, houve restrições ao aumento de despesas até dezembro de 2021, incluindo limitação a contratações e proibição de reajustes para servidores.
Esse represamento também teria estimulado a recente retomada da ocupação no setor público, segundo especialistas.
Sob a justificativa de agilidade, a contratação de temporários abre a possibilidade de alocação de pessoas em cargos que deveriam ser permanentes, afirma Amauri Fragoso de Medeiros, do Andes-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior).
Ele avalia que para resolver problemas de falta de recursos da União, dos estados e dos municípios é preciso buscar uma reforma tributária. “E que ela seja pautada pelos princípios previstos na Constituição, para que quanto maior a condição de contribuir para o financiamento do Estado, maior seja a tributação.”