A bancária Evelyn Iara Marques, 40, de Campinas (SP), começou a notar diferenças que seu filho apresentava em relação às outras crianças desde que ele tinha 6 meses de vida. Aos 2 anos, recebeu o diagnóstico de autismo. “Saí do consultório chorando”, relembra. Mas Evelyn, mãe solo, estava decidida a dar o melhor tratamento possível para Vittorio, para que ele pudesse ter um bom desenvolvimento e na tentativa de recuperar o tempo perdido. Seu plano de saúde, porém, não cobriria uma terapia específica para o caso dele, chamada de ABA (sigla em inglês que significa Análise Comportamental Aplicada).
As negativas do convênio eram várias, entre elas a de que a terapia não seria coberta porque não se encontrava no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde) -a lista de tratamentos e remédios que um plano de saúde precisa oferecer. Em abril deste ano, ela abriu uma ação na Justiça pedindo que o plano cobrisse um tratamento melhor. A decisão veio em maio, e foi positiva. “Nas palavras do juiz, a negativa do plano de saúde revelou a violação ao princípio constitucional do direito à saúde, além do fato de que, caso não fosse deferida a liminar, o beneficiário ficaria impossibilitado de receber o tratamento adequado e essencial ao seu bem-estar, impactando em sua comunicação e desenvolvimento”, explica o advogado Stéfano Ferri, que tratou do caso ao lado do sócio, Rodolfo Ortiz.
Com poucos meses na terapia específica, Evelyn diz que o filho é “outra criança”. “Ele conversa, forma frases, fixa mais tempo o olhar, brinca com a imaginação, se diverte com outras crianças”, diz. “Fico pensando nas mães que também estão brigando com seus planos, como eu, e ainda não conseguiram a cobertura. É uma angústia porque cada dia sem tratamento é um dia perdido na vida social dessa criança.”
LEIA O RELATO DE EVELYN:
“Vittorio nasceu prematuro, eu vim de uma gestação complicadíssima, tinha a placenta invertida [mal posicionada].
Até às 24 semanas foi tranquilo, tudo bem. Depois disso, começaram os sangramentos e não saí mais do hospital. Ele nasceu no dia 29 de abril e a cesárea também foi complicada, havia uma ramificação da placenta, que se alastrou e dificultou a retirada do bebê. Depois que nasceu, Vittorio foi intubado.
Desde então começou a luta dele que ele ganhasse peso, saísse do tubo, respirasse sozinho pra poder ir pra casa. Os dias foram passando, ele ganhava um pouco de peso, às vezes perdia, passava por vários pediatras, até que saiu da incubadora e foi pro bercinho.
Depois de quase 3 meses ele teve alta, foi pra casa e fazíamos as consultas de rotina. Estava tudo bem.
Mas eu via que ele tinha um atraso no desenvolvimento. Algumas crianças já estavam caindo da cama, ele nem rolava. Via que, quando o amamentava, ele não olhava para mim. Mas era mãe de primeira viagem, não tinha muitos comparativos.
Os meses passaram e algumas crianças da idade dele já tava começando a andar. O Vittorio nem engatinhava, só se arrastava. Até que chegou a fase da fala.
Ele só resmungava mas não falava, não saía. Comecei a ficar um pouco preocupada, via outras crianças falando bastante. Ele com 1 ano e 9 meses só emitia sons. E tinha uma forma diferente de brincar. Com um carrinho, por exemplo, só olhava para as rodinhas, não usava a imaginação.
Conforme foi crescendo e ficando maiorzinho, já perto dos 2 anos, ele era uma criança hiperativa, que gritava muito. Eu achava um pouco além da conta, mas ia levando. Um dia, na pediatra, eu não conseguia controlá-lo A médica falou na lata: seu filho é autista.
Saí de lá chorando. Essa primeira vez que ouvi isso de um profissional foi o que me fez correr atrás. Até então eu percebia algumas diferenças, mas levei muito em consideração o fato de ele ser prematuro.
Encontrei um psiquiatra especializado, e fechamos o diagnóstico de autismo. Tinha uma série de orientações. Ele não tomaria nenhuma medicação, mas tinha uma carga horária de terapias muito exaustiva.
Sou mãe solo, bancária e trabalho em horário comercial. Só tinha horário para levá-lo para as sessões depois das 17h. Foi um sofrimento porque o convênio só indicava uma única clínica, do outro lado da cidade, que não tinha a especialidade que ele precisava.
Foi quando procurei um advogado quando vi que ia ter muitos problemas, estava tendo só negativas do plano, e o desenvolvimento, a vida do meu filho estava em jogo. Entrei na Justiça e, felizmente, consegui a decisão favorável. Com a liminar obrigando o convênio a garantir o tratamento do Vittorio, conseguimos atendimento em um instituto que tem uma escola para crianças com deficiências.
Se dependesse de plano, meu filho estaria sem tratamento até hoje. Eu devo a qualidade de vida que temos à essa decisão. Com o tratamento adequado, ele virou outra criança: conversa, forma frases, já fixa mais tempo o olhar, brinca com a imaginação, com os carrinhos, com outras crianças.
Muitas mães não têm o conhecimento dessa medida liminar, ou nem sabem como é o autismo, como deveria ser o tratamento.
Meu desejo é para que todas as mães busquem informações e briguem pelos filhos, porque isso vai fazer toda diferença na qualidade de vida da criança, principalmente para ela conseguir sua independência.
Fico pensando nas mães que não tem essa liminar, que têm cobertura limitada do plano e estão brigando por um tratamento melhor. Precisa apresentar laudos, colher documentos. Nisso, o tempo vai passando, e cada dia sem tratamento é um dia perdido na vida social dessa criança.
Ele vai continuar nessa terapia o tempo que for necessário. Não é um plano de saúde que vai dizer quanto tempo de tratamento meu filho precisa, mas, sim, os profissionais da saúde.
Hoje o Vittorio é meu companheiro, meu parceiro, conversa comigo, conta o cotidiano da escolinha. É uma evolução linda.”
FolhaPress