JOÃO GABRIEL
DA FOLHAPRESS
“No Brasil, todo atleta vem de uma sorte.”
É assim que Ana Moser, 53, medalha de bronze pela seleção brasileira de vôlei nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996, resume a situação do esporte brasileiro.
Aposentada das quadras desde 1999, a ex-atleta segue dedicando sua vida ao esporte, como ativista.
Integrante da Atletas pelo Brasil, uma organização que reúne esportistas e ex-esportistas, ela esteve recentemente em Brasília e participou também de encontros virtuais para debater o projeto da Lei Geral do Esporte, em especial a parte do texto sobre a criação do Sistema Nacional do Esporte (Sinesp).
O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Há um acordo para que ele seja votado nesta quarta-feira (1º), no entanto, alguns parlamentares já admitem que o item possa ser colocado em pauta apenas no dia 8 de dezembro.
Atualmente com relatoria de Roberto Rocha (PSDB-MA), o texto da lei foi criado em 2017, com impulso de Renan Calheiros (MDB-AL), então presidente da casa. O documento tem mais de 200 páginas.
“A importância dele [Sinesp] é que é a única maneira de ter, na prática, o ‘esporte para todos’ no país. Ele coloca quem faz o que, como faz e com qual recurso”, defende Ana.
Ela lembra que a ideia de esporte para todos está prevista na Constituição Federal. Parte do entendimento de que a prática esportiva não deva servir apenas ao alto desempenho, mas ao lazer, à saúde, à educação, e deve integrar todas as idades.
O Sinesp tem como um de seus objetivos definir qual instância do poder público, e também do privado, é responsável por cada uma dessas seções ligadas ao esporte.
O texto, que ainda pode ser alterado, diz que o governo federal deve priorizar os investimentos em esporte no âmbito da formação e do alto rendimento; os estados, nas ações de formação e vivência esportiva; e os municípios, na face educacional.
O sistema também versa sobre o Conselho Nacional do Esporte (Conesp), que se tornaria responsável por aprovar, por exemplo, as diretrizes para uso do Fundo Nacional do Esporte -previsto na Constituição, mas nunca efetivado- que também seria criado com a Lei Geral do Esporte.
Ana Moser diz não haver necessidade de se inspirar em outros países para o funcionamento do Sinesp e de outras importantes regulamentações do esporte brasileiro, como o Plano Nacional do Desporto. A forma de organizar essas estruturas existe no próprio Brasil, nas áreas da Educação e da Saúde, que têm seus planos, sistemas e conselhos atuando ativamente.
Ana defende que, para serem efetivas, as políticas públicas esportivas devem dialogar com as outras áreas. Argumenta que a criança que precisa de oferta de educação, cultura e saúde é a mesma que precisa do esporte.
“O esporte brasileiro tem muito pouco em termos de estrutura pública. Ele resiste, se vira e até se amplia por conta da organização da sociedade civil. O que é péssimo, porque só o poder público é capaz de criar estruturas em escala nacional”, diz.
Sem a estrutura, o esporte brasileiro fica à mercê de programas pontuais. Sem um ecossistema em que os entes federativos, as ONGs e as confederações se dividam e se integrem, criando uma rede nacional de fomento ao esporte desde a infância até o fim da vida, na educação, no lazer, na prática pela saúde e, claro, no alto rendimento.
“Se você quiser iniciar seu filho no esporte, onde você vai?”, questiona. Para se tornar atleta, hoje, é necessário pagar por um clube, por aulas particulares, ou por acaso ter um programa social perto de casa.
Moser afirma que, no sistema atual, uma pessoa só se torna atleta se tiver sorte, pois não há uma política pública nacional que garanta que, em todos os locais do Brasil, seja oferecida a estrutura necessária para a formação esportiva.
Esse é o motivo, segundo ela, de não ter se afastado do esporte após se aposentar das quadras.
“O atleta, como pessoa e cidadão, tem de participar, entender, não ser só um fazedor, mas um participante, se importar. Todo atleta vem de uma sorte, ou ele nasceu no lugar certo, ou encontrou a pessoa certa… a gente sabe como é difícil”, diz.
“Claro que o esforço pessoal é soberano, mas ninguém chega lá sozinho, então reconhecer esse todo é ter a responsabilidade de compartilhar, partilhar, participar, entender e usar a sua voz”, conclui.