ARTUR BÚRIGO
DA FOLHAPRESS
A inclusão na Reforma Tributária da cobrança de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para donos de barcos gerou queixas no setor náutico. Representantes da indústria alegam que haverá perda de empregos e insegurança jurídica no setor.
A preocupação é maior nos estaleiros de iates de luxo, vendidos por dezenas de milhões de reais. As empresas dizem temer uma reversão no cenário de evolução dos negócios do setor nos últimos anos.
Em 2022, o faturamento chegou a R$ 2,5 bilhões, aumento de 25% em relação ao ano anterior. Segundo a Acobar (Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e Implementos), o setor gera 100 mil empregos e houve alta de 15 mil em relação ao ano anterior.
O texto aprovado na última quinta (6) pela Câmara dos Deputados inclui também os jatinhos entre os veículos suscetíveis à cobrança de IPVA.
Um estudo de 2020 do Sindifisco Nacional (sindicato dos auditores da Receita Federal) estimou uma receita adicional de R$ 4,7 bilhões por ano com a ampliação da base do tributo. Quase 90% desse valor se refere a embarcações.
Ernani Paciornik, presidente do Grupo Náutica, organizadora do maior evento da área no país, afirma que a indústria naval é caracterizada pela mão de obra intensiva.
“Não existe robô para fabricar fibra de vidro. Corremos o risco de matar uma indústria totalmente artesanal”, diz o empresário por trás das edições do Boat Show.
“Dizem que estão colocando o imposto porque barco é coisa de rico, mas quantos empregos gera o carro que você tem na sua garagem?”, ele questiona, ao citar que uma embarcação emprega, em média, sete pessoas direta e indiretamente, considerando a tripulação e trabalhadores em marinas.
Caso aprovada também no Senado, a cobrança do IPVA se somaria aos tributos pagos na aquisição dos barcos que seriam substituídos pelo IVA, o novo imposto a ser criado pela reforma e à taxa para cadastro da embarcação no sistema da Marinha, que precisa ser renovada a cada cinco anos.
A taxação anual pelo uso de barcos não seria uma novidade brasileira. Ela existe em grandes mercados náuticos como Estados Unidos na maioria dos estados, Inglaterra e Austrália. Na Itália, foi instituída em 2013, mas revogada três anos depois.
Com a cobrança, donos de barcos optam por registrá-los em países considerados como paraísos fiscais, como Malta, Ilhas Cayman, Bahamas e Panamá, que isentam a taxa ou praticam uma alíquota menor.
Em 2022, Panamá, Libéria e Ilhas Marshall foram as três principais bandeiras de registro de embarcações em termos de tonelagem de porte bruto (medida para carga) e valor comercial, segundo o órgão das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento.
No Brasil desde 2013, o italiano Francesco Caputo, CEO da Azimut Yachts Brasil, afirma que a cobrança do imposto sobre embarcações pode frear o avanço do setor.
O estaleiro da marca em Itajaí (SC) é o único da empresa fora da Itália e fabrica seis embarcações, que são vendidas por valores que variam de R$ 8,3 milhões até R$ 55,8 milhões. A planta emprega cerca de 500 pessoas de forma direta, além de 100 terceirizados, e possui mais de 1.200 fornecedores, diz o executivo.
A Azimut chegou ao país em 2010, logo após os descontos tributários de até 72% concedidos pelo Pró Náutica, programa de incentivo do governo de Santa Catarina voltado à indústria do setor. Hoje, cerca de 70% dos estaleiros do país estão no estado.
Roberto Paião, CEO do Grupo Okean, empresa que detém a licença de construção dos iates de luxo Ferretti, afirma que o texto da PEC que expande a cobrança do IPVA gera incerteza no setor pela falta de definições.
“Não existe uma tabela Fipe [que calcula os preços de veículos anunciados e serve de referência para a cobrança de IPVA] de barcos. Como os estados vão medir? Pelo tamanho da embarcação? Pela potência?”, questiona Paião.
Apesar da expectativa pela cobrança, o grupo Osklen fechou a venda de duas embarcações, que somaram R$ 40 milhões, na edição do Boat Show realizada na última semana em Itajaí, cidade portuária a 100 km de Florianópolis.
A proposta aprovada na Câmara isenta da cobrança barcos voltados ao serviços de transporte aquaviário, à pesca, industrial, artesanal, de subsistência e científica.
A Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) entende que o item pode abrir uma brecha para proprietários de lanchas tentarem fugir do pagamento de tributos. Eles poderiam, por exemplo, usar indevidamente a classificação de pesca artesanal, isenta.
Para Daniel Tessari, advogado do Kincaid Mendes Vianna Advogados, há uma preocupação sobre a situação de embarcações que são consideradas como um bem de capital, mas que não foram colocadas entre as exceções previstas na PEC. Ele cita como exemplo as que prestam serviços à indústria petroleira.
Ele também considera ser uma “incongruência” inserir a cobrança do IPVA no texto da reforma que tributa consumo e prevê unificar os tributos.
“O IPVA tem característica cumulativa, é um imposto regressivo, incide sobre patrimônio, sobre bens que vão depreciando e não permite crédito”, completa.