IGOR MATEUS / Da Redação
“Não existe guerra justa. O melhor caminho sempre será o diálogo, o respeito e a paz”. A declaração é do empresário Mouhammed Soumaille sobre a guerra no Oriente Médio. Recentemente, familiares dele que moravam no Líbano tiveram que se refugiar no Brasil por causa dos bombardeios e invasão do exército israelense.
A guerra no Oriente Médio assola diversas famílias, principalmente as de origens palestinas, libanesas e judaicas. Mas a briga por território entre Israel e o povo Palestino não começou agora, a história é complexa e dura aproximadamente 80 anos.
De origem libanesa, naturalizado brasileiro, o empresário Mouhammed Soumaille e seu neto, que voltou ao Brasil depois da invasão israelense, conversaram com a reportagem do Diário do Noroeste, e contextualizaram os motivos que levaram à guerra e como foi a volta ao Brasil.
A fala de Mouhammed sobre o diálogo, o respeito e a paz é a mesma registrada no dia 20 de outubro de 2023 quando ele foi homenageado pela Associação Comercial e Empresarial de Paranavaí (Aciap) como empresário do ano. Naquela ocasião, a guerra estava no início.
“O conflito precisa parar, pois muitas pessoas inocentes dos dois lados estão morrendo assassinadas. Defendo o diálogo entre Israel e a Palestina. Todos precisam sentar e conversar, achar uma solução e viver em paz. A guerra não leva a nada, é uma tristeza sem fim”, afirmou Mouhammed.
VOLTA DE FAMILIARES AO BRASIL – O neto do empresário conta que saiu de Souairi em 1º de outubro pela fronteira do Líbano com a Síria, em um carro de passeio. “Havia sete pessoas no veículo – contanto o motorista – e três malas. Saímos às 2h da manhã e chegamos a Damasco às 8h, tivemos medo nesse trajeto porque a Síria passou por uma guerra nos últimos anos. Depois pegamos outro automóvel em direção à Jordânia. Ficamos três dias lá. Compramos passagem de avião para Doha, no Qatar, e depois, por volta das 2h da madrugada do 5 de outubro, pegamos um voo para São Paulo”, conta.
Os familiares chegaram ao Brasil por volta das 10h do dia 5 (sábado). O neto ainda conta que eles ficaram na residência de um tio na capital paulista e, posteriormente, na noite do mesmo dia, embarcaram para Maringá. “Chegamos a Paranavaí na madrugada do dia 6”, lembrou de forma aliviada.
Perguntado se tem pretensões de voltar para a terra natal, respondeu categoricamente: “Sim. Estudo em uma universidade no Líbano e preciso concluir meu curso”, afirma. “Nasci em Paranavaí, passei por vários países, estudei por 6 anos nos Estados Unidos, onde aprendi inglês, e depois fui para o Líbano, onde fiquei por mais de 4 anos e aprendi o idioma árabe”, complementa.
Na entrevista, o empresário Mouhammed demonstrou por diversas vezes que ama o Brasil: “É o melhor lugar do mundo”, afirmou. Também salientou que tenta passar para todos seus familiares as coisas boas de se viver no Brasil. Para ele, voltar a morar no Líbano é algo fora de cogitação.
SOBRE A GUERRA – As tensões na região de Jerusalém começaram quando o primeiro ministro britânico Arthur Balfour, que era judeu, prometeu uma pátria para a nação judaica em 1917, durante a 1ª Guerra Mundial que durou entre os anos de 1914 e 1918.
Mas, antes, é importante registrar que nessa época já existia o movimento sionista, que deu corpo e esperança para a comunidade judaica ter um estado. Em uma entrevista concedida à Agência Brasil, a professora de pós-graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais Rashmi Singh, que estuda a questão árabe-israelense há mais de 20 anos e se especializou em temas como terrorismo, radicalização, crimes transnacionais e violência política, explicou que o sionismo moderno começou em 1896 com um livro escrito por Theodor Herzl.
“Ele começou a falar do direito de os judeus terem um estado próprio para viver em paz com sua identidade, devido à perseguição que os judeus sofriam na Europa. O local escolhido foi a Palestina porque tem uma ligação histórica e bíblica”, explicou.
“Então, Theodor Herzl fomentou uma organização sionista que promoveu a migração judia para a Palestina para construir um estado para os judeus. Nessa época (final do século 19), era uma organização para juntar fundos e comprar territórios na Palestina para colocar as comunidades de judeus da Europa nesse local. Mas eles não conseguiram comprar muita terra porque já era uma área ocupada”, explicou.
Na entrevista, Mouhamed Soumaille dá uma aula de história. Explica que antes da Palestina ser a terra escolhida, outros lugares foram colocados como opções: Patagônia Argentina, Uganda, Madagascar, Congo, Chipre e até parte da Amazônia.
“O povo judeu tem o direito de viver em paz. Sou a favor deles terem uma pátria, em qualquer lugar do mundo, mas desde que eles respeitem o Estado Palestino e qualquer outro estado, e que vivam em harmonia”, afirma.
Após a 2ª Guerra Mundial e o Holocausto na Europa, quando cerca de 6 milhões de judeus foram assassinados, principalmente em campos de concentração da Alemanha nazista, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou as bases para a criação do atual Estado de Israel. O ano era 1947 e contou com o voto para a aprovação do político, diplomata e advogado brasileiro Oswaldo Euclides de Sousa Aranha (1894-1960). Deste processo vem a tradição de o Brasil ser o primeiro a falar na reunião da ONU. Em outras palavras, um reconhecimento ao trabalho do brasileiro Oswaldo Aranha para a constituição da entidade representativa dos países.
“Ficou definido nessa votação de 1947 que iriam dividir as terras. A parte ocidental de Jerusalém seria para o povo judeu e a parte oriental para árabes-palestinos. Prontamente, essa aprovação na ONU foi recusada pelo povo palestino, pois eles já estavam ali. É como se uma nação chegasse aqui no Brasil e do dia para a noite fosse determinado que uma parte da terra não seria mais brasileira. É a mesma coisa. Eles arrancaram à força as terras dos palestinos com a ajuda de países do ocidente”, disse Mouhammed.
Com os passar dos anos, a briga por terras se intensificou no local, tendo tido várias guerras locais entre o governo de Israel e o povo palestino.
“Israel faz isso porque ele quer guerra para mostrar poder e derrotar os adversários. O principal objetivo deles é aumentar o tamanho atual do país. Existe um mapa que o governo de Israel considera ser terras israelenses. Nesse mapa, pega todas as terras palestinas, a Cisjodânia, a Jordânia, o Líbano, parte da Síria e do Rio Tigre até o Rio Nilo, ou seja, metade do Iraque e partes da Arábia Saudita e do Egito”, explica Soumaille.
“É por esse motivo que não considero um grupo político armado, que existe hoje na Palestina e no Líbano (Hamas e Hezbolah, respectivamente) como terrorista. As organizações estão lutando pelas terras que são de direito. Claro que não existe nenhum santo na história, mas não dá para crucificar apenas um lado, pois existem pessoas más infiltradas nos dois lados. Essa guerra atual, por exemplo, começou depois de um ataque do Hamas em uma festa no ano passado (2023), que inclusive eu condeno veementemente esse ataque, mas ninguém fala de todos os outros ataques que Israel promoveu durante anos contra o povo palestino”, completa Soumaille ao dizer que Israel já matou mais de 100 mil palestinos, entre crianças e adultos inocentes.
O QUE É O HAMAS? A palavra Hamas significa “Movimento de Resistência Islâmica”. O grupo foi fundado em 1987 após uma ampla revolta palestina (1ª Intifada) contra a ocupação israelense em seus territórios. Segundo a Agência Brasil, o grupo foi criado a partir da Irmandade Mulçumana que, até então, fazia um trabalho de assistência social na Palestina.
Em entrevista à Agência Brasil, o professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo José Arbex Junior comentou sobre o início do Hamas. Ele é escritor e doutor em História pela USP, autor do livro Terror e Esperança na Palestina, e também foi correspondente internacional da Folha de São Paulo em Moscou e Nova York.
“O Hamas surge, na sua versão original, como um braço da Irmandade Mulçumana na palestina, organização que tem como principal objetivo a assistência social, filantrópica e educativa para atenuar as misérias causadas pela pobreza. Com a 1ª intifada, o Hamas foi criado com objetivo de lutar militarmente contra Israel”, contou.
“Eles entenderam, a partir da 1ª intifada, que não havia mais como negociar, uma vez que Israel exercia força bruta, incluindo assassinatos contra adolescentes e crianças. Isso distanciou o Hamas da OLP, que assumiu o caminho do diálogo, abandonando a luta armada”, complementou.
MORTES DOS LÍDERES – Na última quinta-feira (17), as Forças Armadas de Israel anunciaram que mataram Yahya Sinwar, comandante do Hamas e mentor dos ataques de 7 de outubro de 2023 em uma festa eletrônica. Ele havia assumido o comando do grupo em 2024 após Israel assassinar o nº 1 da época, Ismail Hanyeh, no Irã.
Os ataques de 7 de outubro deixaram 1.200 pessoas mortas. O Hamas também sequestrou outras 230. Por esse motivo, a inteligência de Israel passou a monitorar toda a região da Faixa de Gaza com o objetivo de captura-lo.
Segundo Michael Koubi, ex-oficial da inteligência de Israel, Yahya Sinwar era a pessoa mais cruel que ele conheceu. A afirmação veio em 2023, em uma entrevista concedida à agência de notícias Reuters, depois dele interrogar o terrorista por mais de 180 horas há mais de 20 anos em uma prisão israelense. O ex-oficial explicou que o terrorista era conhecido como “O açougueiro de Khan Younis”, por assassinar pessoas com um facão.
O QUE É O HEZBOLLAH? O nome Hezbollah significa “Partido de Deus” em árabe. O grupo surgiu no Líbano na década de 1980 em reação à presença do exército de Israel no sul do país, durante a guerra civil libanesa de 1975 a 1990. Para ter força, o grupo se aliou ao Irã, maior país xiita da região e que possui o maior poder armado do Oriente Médio.
É considerado um grupo terrorista pelos governos de Israel, Estados Unidos, França, Alemanha e de outros países ocidentais. Já para alguns países do Oriente Médio, é uma organização xiita e armada com atuação política, a fim de defender os interesses do Líbano.
De acordo com a BBC News Brasil, além da política, o Hezbollah também administra escolas, hospitais e instituições de caridade no país. Ou seja, é como se fosse um estado dentro de um estado.
Com apoio financeiro do Irã, o Hezbollah se tornou um dos grupos mais bem armados do mundo. Apesar de não haver um número exato, estima-se que possui entre 20 mil a 100 mil soldados, além de quase 200 mil foguetes e mísseis capazes de atingir o território israelense.
Em setembro de 2024, Israel matou seu principal líder, o Sheikh Hassan Nasrallah.
PRIMEIRO VOO DE REFUGIADOS PARA O BRASIL – Depois de bombardear a faixa de gaza, Israel invadiu o Líbano no mês de setembro com o objetivo de encontrar os chefes do Hezbollah. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, mais de 41 mil pessoas morreram em ataques israelenses e de acordo com a ONU, mais de 1 milhão de pessoas já passaram fome com a falta de alimentos.
O primeiro grupo com 229 pessoas repatriadas do Líbano chegou no domingo, dia 6 de outubro, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Ao desembarcarem, foram recepcionadas pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. De lá, cada grupo foi para uma região do país para encontrar familiares.
Na ocasião, Lula conversou com os refugiados e disse: “Espero que vocês encontrem no Brasil a felicidade que tiraram de vocês com esse bombardeio. E que a gente possa reconstruir a nossa vida em paz aqui no Brasil. Vocês sabem que o Brasil tem por volta de oito ou nove milhões de árabes e descendentes, a maioria libaneses. Somos agradecidos, porque vocês ajudaram a construir a cidade de São Paulo, o estado de São Paulo e o Brasil. Vocês têm muita responsabilidade por aquilo que somos”.
“O Brasil é generoso. Não tem contencioso com nenhum país porque a gente não deseja guerra. A guerra só destrói. Quando não perde a vida, perde escola, hospital, médico, uma série de coisas que trazem tranquilidade para a gente. O que constrói é a paz”, completou o presidente.
“O Brasil adotou uma posição firme contra os ataques do Hamas a Israel. Também condenamos os ataques do governo de Israel, que levou a morte de milhares de inocentes, incluindo mulheres e crianças, tanto na Palestina quanto agora no Líbano. É uma estratégia de Netanyahu (primeiro ministro de Israel) para se manter no poder”, afirmou Lula em rede social.
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