Brunno Wesley Oliveira Lucas, de 20 anos conciliava a rotina intensa de estudos com o trabalho no bar da avó
Texto: Ana Cecilia Paglia
Supervisão: Monique Manganaro e Reinaldo Silva
“Sem minha fé, eu não conseguiria”, afirma Brunno Wesley Oliveira Lucas, de 20 anos, aprovado em Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O jovem morador de Alto Paraná passou por um longo processo até conquistar a vaga, tanto que até cogitou desistir, mas, segundo ele, Deus o sustentou em todos os momentos, e a fé que possui foi o combustível para continuar.
Oliveira conta que sempre quis fazer Medicina, mas a confirmação de que deveria tentar veio por meio de uma oração. “Lembro que, quando decidi fazer Medicina, orei muito para que Deus confirmasse esse sonho e me mostrasse se era a vontade dele. Foi em um grupo de oração, em 2019, que tive certeza de que esse era o caminho que eu deveria seguir. Desde então, Deus me sustentou e abriu portas para que eu pudesse estudar e alcançar minha aprovação”, relata.
Enquanto estudava, ele sempre encontrava tempo para rezar. “Em 2024, estudei muito, confiando que seria meu ano. Rezava o terço todos os dias no caminho para o cursinho e ia à missa todos os domingos. No dia da prova da primeira fase da UFPR, rezei o terço na sala antes de iniciar a prova. Na segunda fase, consegui ir à missa antes do vestibular e tudo ocorreu bem.”
Persistência – Aluno de escola pública a vida toda, o estudante enfrentou três anos de tentativas até a aprovação. Em 2022, fez um cursinho on-line, mas sentia dificuldades para ser concentrar. “Em casa não é fácil focar, há muitas distrações”, diz.
No ano seguinte, conseguiu uma bolsa de estudos de 50% em um cursinho presencial em Maringá, a 57 quilômetros de onde reside. Para frequentar as aulas, pegava transporte público todos os dias.
Em 2023, Oliveira alcançou 200 pontos a mais em relação à nota da última prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e também avançou para a segunda fase da UFPR, faculdade na qual foi aprovado.

Já no terceiro ano de cursinho, devido aos bons resultados em vestibulares, conseguiu bolsa de estudos de 100%.
O jovem explica como sentiu que Deus esteve com ele ao longo de todo esse processo. “Chega a ser bizarro, porque, pela minha condição financeira, eu não conseguiria pagar um cursinho particular e nem comprar materiais. Mas, de alguma maneira, as coisas foram acontecendo.”
Ele conciliava a rotina intensa de estudos com o trabalho no bar da avó às quintas e sextas à tarde e aos sábados o dia inteiro. O dinheiro que ganhava era destinado ao transporte público e à alimentação.
Além da fé, Oliveira destaca que outro pilar essencial foi o apoio dos parentes. “Minha mãe, minha avó, meu pai, todos me apoiaram muito. Cheguei a um ponto em que queria passar mais por eles do que por mim mesmo.”
O jovem foi o primeiro da família a ingressar em uma universidade, tornando a aprovação ainda mais emocionante. “No dia, eu estava no bar trabalhando e atualizava o site a todo momento. Quando abri a lista, vi meu nome e comecei a gritar ‘Vó, eu passei’. Eu chorava enquanto comemorava com eles.”
A mãe dele, Franciele Aparecida Oliveira Lucas, estava trabalhando na roça quando recebeu a notícia por telefone. “Chorei muito e fui amparada pelos meus amigos. No fundo do meu coração, eu já sabia que nesse ano o Brunno venceria. O esforço foi grande, mas a fé foi maior.”
Agora, o estudante aguarda ansioso pelo início das aulas em agosto. “Quero estar rodeado de professores, pesquisadores e de gente que sabe o que está dizendo. Quero participar de ligas acadêmicas, pesquisas científicas e aproveitar tudo que a faculdade puder me proporcionar.”
A importância do sistema de cotas – Aprovado pelo sistema de cotas, o estudante destaca que essa política é de suma importância para a inclusão de pessoas negras no ensino superior. A Lei de Cotas (n.º 12.711/2012), sancionada em agosto de 2012, permite que milhares de jovens ingressem em universidades públicas. Em 2022, segundo o Censo da Educação Superior do Inep- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-, 55.371 pessoas acessaram alguma faculdade pelo critério étnico-racial.
Sobre esse tema, o professor Celso José dos Santos, presidente da Associação Negritude de Promoção da Igualdade Racial (Anpir) de Paranavaí, ressalta que, apesar de a lei ser um passo importante, ainda não é suficiente, principalmente em cursos que exigem dedicação integral, como Medicina.
“Além do ingresso, é preciso uma política de permanência, para que estudantes cotistas não precisem trabalhar para se manter na universidade. É necessário garantir hospedagem, alimentação e acesso a materiais didáticos”, explica o professor.