NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O recrudescimento das tensões geopolíticas por causa da guerra na Ucrânia pode levar o Banco Central a estender o ciclo de alta da taxa básica de juros, além de elevar o pico da Selic, para conter as pressões sobre a inflação. Essa é a visão de diversos economistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.
O Copom (Comitê de Política Monetária) se reúne nos dias 15 e 16 de março para calibrar a taxa básica de juros para o controle da inflação. Atualmente, a Selic está em 10,75%.
“O risco de extensão do ciclo de alta da Selic se eleva na medida em que se perpetue a noção de que a escalada do conflito produzirá efeitos inflacionários mais persistentes”, disse Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil.
O banco permanece com projeção de taxa terminal da Selic em 12,75%, com início do ciclo de queda apenas no segundo semestre de 2023.
O Itaú Unibanco monitora a elevação da incerteza, em especial sobre a dinâmica dos preços internacionais das commodities e da volatilidade dos mercados, devido aos desdobramentos do conflito no Leste Europeu para revisar (ou não) sua projeção da taxa de juros terminal, atualmente em 12,50%.
“Estávamos caminhando para uma discussão de fim de ciclo no Brasil. Agora, temos uma série de cenários à frente, com a possibilidade de outros níveis de juros”, disse Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, considera que a guerra trouxe uma mudança no patamar de inflação no mundo e no Brasil e espera uma Selic acima de 12,50%, sua atual projeção. “Temos um novo choque inflacionário, que implica mais juros por mais tempo para ancorar as expectativas do próximo ano”, afirmou.
Já o banco digital Modalmais decidiu se antecipar e já revisou a sua expectativa da taxa de juro terminal para 12,75%, ante 12,25% na projeção anterior. “Acredito que o Banco Central esteja mais distante do fim do ciclo do que a gente antecipava”, disse o estrategista-chefe Felipe Sichel.
“A discussão sobre cortes ainda em 2022 já não fazia parte do nosso cenário e agora menos ainda. A Selic ficará neste patamar [de 12,75%] até o fim do ano”, completou.
Quem também tem discutido uma elevação na projeção da Selic até o fim do ano é o Banco Original, que segundo o economista-chefe Marco Caruso, pode saltar de 12,25% “para algo em torno de 12,75% ou 13%”.
No entanto, a instituição financeira pretende aguardar o próximo comunicado do BC para oficializar qualquer alteração.
Apesar das novas expectativas quanto à Selic até dezembro, os especialistas são unânimes ao dizer que esperam que o BC mantenha o plano de voo para a próxima reunião do Copom. O comitê já havia sinalizado a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros em função da defasagem dos efeitos de política monetária.
Silvio Campos Neto, economista sênior da Tendências Consultoria, também deseja esperar os sinais emitidos após a reunião da próxima semana do colegiado para reavaliar a expectativa de patamar de chegada, atualmente em 12,25%. Para ele, a autoridade monetária deve considerar o aumento no preço das commodities como “um foco de incerteza e de risco adicional”.
Os preços de diversos materiais básicos agrícolas e metálicos têm disparado junto com o agravamento da crise no Leste Europeu. A Rússia é uma grande produtora de petróleo e gás natural e, junto da Ucrânia, tem participação importante na oferta global de milho e trigo- o grão que mais disparou até agora, com um aumento de quase 40% nos últimos 30 dias.
O petróleo Brent de referência ultrapassou os US$ 100 (R$ 504,73), em 24 de fevereiro, pela primeira vez desde 2014. Com novas sanções contra a Rússia no radar do mercado, o barril estava sendo negociado nos maiores níveis desde 2008 e chegou a bater a máxima de US$ 139,13 (R$ 706,11) na noite deste domingo no Brasil, com a reabertura dos mercados na Ásia.
“A gente ainda não tem uma visão muito clara de até onde vai esse conflito e seus potenciais desdobramentos”, afirma o especialista da Tendências Consultoria. Para Silvio Campos Neto, a autoridade monetária deve demonstrar maior prudência em seu discurso em relação aos próximos passos.
Incerteza e cautela são palavras-chave para o atual cenário econômico, na opinião de Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest Investimentos, que prevê uma Selic terminal de 12,5% com viés altista.
“O perfil, até o momento, é de um choque inflacionário. Mas as incertezas de magnitude e duração do choque requerem cautela”, diz. Na visão dela, a autarquia precisa manter um grau de liberdade de manobra na política monetária.
Gonçalves, do Itaú Unibanco, prevê que a autarquia deixará em aberto os seus próximos movimentos, condicionando seus passos à materialização de cenários possíveis em decorrência da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Visão que também é compartilhada por Caruso, do Banco Original. Mas o economista-chefe pontua que o BC “não pode se furtar de atacar o choque inflacionário, porque o país já está partindo de uma inflação alta”.
O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fechou o ano de 2021 em 10,06%, maior alta desde 2015. Com o resultado, o índice estourou com folga a meta perseguida pelo BC (Banco Central), que era de 3,75% no ano passado, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Em fevereiro, a inflação medida pelo IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15) subiu 0,99%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pressionado pelas despesas com educação, alimentação e transportes, o indicador para inflação foi a 10,76% em 12 meses.
Em meio à guerra na Ucrânia e à decisão do governo de baixar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) em 25%, a mediana apurada para IPCA de 2022 avançou pela oitava semana consecutiva na pesquisa Focus, divulgada pelo BC nesta segunda (7), saltando de 5,60% para 5,65%.
O valor já está acima do teto da meta de inflação de 5% para 2022. O objetivo a ser perseguido pela autoridade monetária neste ano é de 3,50%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
“Esse choque de trigo, milho e petróleo vai pegar em cheio a economia brasileira. É possível que a gente discuta o IPCA entre 6% e 7% no fim deste ano e não mais entre 5% e 6%. Isso vai pressionar o Banco Central a se posicionar”, afirmou Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, em uma live na última sexta-feira (4).
Para o especialista, a autoridade monetária deve acomodar parte do choque inflacionário e levar a Selic a um patamar maior do que os 12,25% esperados pelo banco. “É possível que vá a 12,50%-12,75% ou um pouquinho mais nesse processo”, projetou.
O banco BTG Pactual também analisa a possibilidade de elevar suas projeções para a Selic para um patamar entre 12,50% e 12,75% – atualmente, a expectativa é de 12,25%.
E prevê um panorama mais contracionista. “Se o efeito for de curto prazo nas expectativas de 2022, não teria porque alongar o ciclo, mas teria razões para deixar as próximas decisões mais fortes”, disse o economista Álvaro Frasson.
Dado o estresse das expectativas, o especialista avalia que a autarquia pode anunciar um aumento de 1,25% na Selic na próxima reunião do Copom se quiser adotar uma postura mais “hawkish”, termo referente a uma política contracionista de alta de juros.
O Citi Brasil também prevê um aumento de 1,25 ponto percentual na taxa de juros no encontro deste mês. “Estamos ainda mais confortáveis com o cenário de que o Copom irá elevar a taxa Selic além de 1% ponto na reunião do dia 16 de março”, afirmou Porto.
Os outros analistas do mercado financeiro ouvidos pela Folha de S.Paulo, por sua vez, esperam que o colegiado do BC entregue uma alta de 1% no próximo encontro. Em fevereiro, a autoridade monetária elevou a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual, chegando a 10,75% ao ano.
Os economistas lembram que um aumento de 1 ponto percentual não é uma elevação branda, pelo contrário, e colocam o país em um estágio avançado no ciclo do aperto monetário.
O aumento dos juros no Brasil é o maior entre as principais economias ao redor do mundo, com oito altas seguidas, totalizando 8,75 pontos porcentuais. Em março do ano passado, a taxa básica estava em 2% ao ano, menor patamar histórico.
O tamanho de cada um dos próximos movimentos dependerá, em grande medida, da taxa de juros que o Copom mirar até o fim do ciclo de aperto monetário.
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