A história – ao contrário do que diz o ditado popular muito usual, na verdade, não se repete. Apenas processos parecidos, em cada momento, acontecem sob novas formas. Passamos por mais um 31 de março e, como de costume (mais costumeiro nos últimos anos do que gosto de admitir), vimos redes sociais à fora celebrações do golpe de Estado ocorrido em 1964, promovidas por aqueles que desconhecem a história das violações humanas, torturas e assassinatos cometidos pelos militares durante a ditadura, ou que procuram, num esforço inglório, justifica-las.
Gostaria de dedicar algumas linhas à recente história dos golpes de Estado no Brasil. Especialmente, para além da violência do Estado contra cidadãos (institucionalizada durante a ditadura de 1964-1985) e dos graves problemas econômicos que trouxeram, quero falar brevemente dos grupos comuns envolvidos nesses diferentes processos.
A história republicana brasileira desde, digamos, a década de 1950, é marcada por alguns setores que convergem nos movimentos golpistas. Desde esse período, não por acaso, nossa economia foi marcada por grande influência de capital estrangeiro, sobretudo, estadunidense. Sabe-se, a respeito desse setor, que nunca estive satisfeito com o controle do Estado brasileiro sobre o petróleo, com as políticas de desenvolvimento da indústria nacional e com o avanço dos movimentos sociais das camadas mais pobres, urbanas e rurais, nos períodos democráticos. Dinheiro vindo dos Estados Unidos ajudou a financiar espaços de formação de lideranças golpistas pré-1964, tais como a Escola Superior de Guerra, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Sob este apoio (inclusive militar, tendo os Estados Unidos enviado armamentos pesados ao Brasil para o caso de uma resistência da população contra o golpe), setores da igreja, do empresariado brasileiro e da classe média também se articularam pela deposição do presidente João Goulart, além do próprio exército que, dez anos antes, também ameaçara um golpe contra o governo de Getúlio Vargas.
A história mais recente, revela semelhantes articulações. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), organizações que apoiaram o movimento golpista de 1964, também encaparam o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Em seu mandato, Dilma chegou a denunciar a prática de espionagem de agências de inteligência estadunidense sobre o governo brasileiro e sobre a Petrobrás. Nesse período, foram frustradas as tentativas de inserção de capital estadunidense na exploração do pré-sal, por parte da Chevron, petrolífera norte-americana, e outras corporações estrangeiras. Nos anos anteriores, o alinhamento econômico do Brasil nos BRICS e com países da América Latina obviamente também não agradou a setores financeiros dos Estados Unidos. Simultâneo a esse descontentamento, nota-se, então, a partir de 2015, a articulação de grupos da elite econômica e da classe média brasileira em prol do impedimento do governo, e, ainda ao mesmo tempo, a eclosão da Operação Lava-Jato, cuja força tarefa teve comprovadamente estreitas relações com órgãos como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O resto é história, e a conhecemos bem. Desde 2016, o Brasil entrou numa espiral de declínio da economia, alta nos preços dos combustíveis, alimentos, aumento da pobreza e da fome. Processo desencadeado pelos mesmos grupos de pessoas que, em 1964, ajudaram a depor um governo popular e instaurar uma ditadura, violenta e corrupta, a partir de 1° de Abril. Ironicamente, o dia dos enganadores.