– O menino tá ficando homem – disse meu pai – irá comigo… – ao que ela sorriu, puxou-me para o quarto dando-me para vestir uma calça comprida, camisa e a cinta que ele ajustara para minha cintura. E logo me apresentei: – Ah! bom… vestido igual a mim… vamos, que o seu Chiquinho nos espera. – Era alto, espadaúdo, magriça e de pele tão branca que o avermelhado do sangue em relação aos cabelos claros, fazia-o mais branco. Deu-me o dedo indicador que agarrei com força, e foi nesse toque que senti o quão forte era sua mão. A junção de calor deu-me segurança, afinal, era a primeira vez que eu iria a uma barbearia e, a se comparar com a tesoura de costura de minha mãe picotando-me em mechas, o aparato do barbeiro com tesoura, pente, escova, navalha, talco, toalhas e Gumex a gosto, era a novidade a quase me deixar nervoso. Que logo se desfez quando seu Chiquinho ao me cumprimentar, estendeu-me um pirulito logo desembrulhado e colocado na boca.
– Como quer o corte? – perguntou – à la Humphrey Bogart ou Yul Brynner?
Dei de ombros sem entender, até que meu pai interveio: – Bodinho, no capricho! – e riu da piada sobre os artistas, um de cabelo alinhado e o outro completamente careca, que vim conhecer e admirar só depois nos filmes em Cinemascope. Humphrey Bogart provocava suspiros às moças casadoiras nos filmes de romance, enquanto Yul Brynner se destacava nos de ação a arrancar aplausos da molecada, coisas que a memória armazena para não esquecer.
Terminado o trabalho, segurei de novo seu indicador e o contato das mãos grandes, como na vinda, me deu sensação de segurança, ao tempo que me levou a ver no pai não o mandão que era, mas um homem forte e decidido. Deu-se ali a ligação de firmeza, de certeza, altivez que só eu desfrutava perante as outras pessoas das calçadas, porque aquele homem alto de pele avermelhada que unia sua mão à minha era o meu pai, e ele estava ao meu lado a provocar em nós sentimento da cumplicidade de amigos caminhando lado a lado, devotando amizade, companheirismo, confiança, crédito, e, por consequência, felicidade e demais adjetivos que se queira dar à relação que se fazia diferente das até então.
Eu estava a sair pelas ruas sem a presença da mãe que geralmente me guiava como criança, e poderia ter ido ao banco com ele, ao bar, ao jogo de bocha, às discussões políticas, mas não: fora ao barbeiro como faziam os homens a cada mês, incursão primeira que marcou indelével o relacionamento.
Mão com mão vale mais que um abraço apertado quando há no toque a reciprocidade.
*Renato Benvindo Frata é advogado, ´presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí