Desde que retomou suas atividades, no último dia 2 de março, o Centro de Convivência do Idoso (CCI) vem detectando um grande número de usuários que sofrem com os sentimentos de luto e solidão. Para a terceira idade é relativamente normal estes sentimentos, principalmente com a morte do cônjuge e os filhos que se casam e vão embora. Mas com a pandemia, que exigiu o isolamento social e causou muitas mortes, o quadro se agravou.
A psicóloga Maisla Yara Souza, do CCI, informa que 42% das pessoas que já passaram pela entrevista apresentam estes sentimentos. A maioria, no entanto, não revela esta situação. “Quando faço a entrevista pergunto o estado civil e quando respondem que são viúvos, fazemos mais algumas perguntas e já se detecta que estão passando por estes sentimentos”, diz ela.
Por isso, assim que duas psicólogas apresentaram ao CCI a proposta de um projeto do Grupo de Luto, para atender pessoas com estes problemas, foi aceito de imediato. As duas profissionais, que estão se especializando em perdas, farão oito encontros com um grupo que se dispôs a participar do projeto.
As pessoas acima de 60 anos estão mais vulneráveis ao que Maisla Souza chama de “luto não dito”. São sintomas de perdas e mágoas acumulados ao longo da vida. Nesta fase, o mais importante é o relacionamento com a família. “Ter bons relacionamento é fundamental para controlar estes sofrimentos que, em verdade, não tem tempo para acabar”, explica.
O luto é um sentimento de perda não necessariamente de um ente querido, mas o afastamento de um familiar (o filho ou o neto que muda de cidade para estudar, por exemplo) e até perdas materiais, que, mais vulnerável, leva o sofrimento aio idoso.
Maisla adverte que a solidão pode ser causada pelos filhos. “Neste caso é complicado, porque o idoso quer mais atenção, quer ser ouvido e o filho e a filha precisam sair para trabalhar. Os idosos têm dificuldade em entender e aceitar isso. Por isso, sempre que podem, os filhos devem dar ouvidos aos pais e avós”, alerta a psicóloga.
Agravamento com a pandemia – Se estes sentimentos são até naturais na chamada terceira idade, a pandemia “agravou muito esta situação”, porque os idosos tiveram que ficar em casa (grupo de risco) e os filhos e netos saíram, para trabalhar. “Muitos que frequentavam aqui (o CCI) achavam que não iam voltar mais para cá. E isso desencadeou casos de depressão e ansiedade. Um bom número de idosos está usando antidepressivos”, observa.
Como os idosos têm dificuldades para perceber que estão sofrendo de doenças emocionais, os familiares devem estar atentos. “Tem que ficar muito atentos, porque os sintomas são muito variáveis”, diz ela, apontado entre outros o choro fácil, muitas queixas e desânimo. “Se uma mulher diz: ‘não tenho nem vontade de limpar minha casa’ é bom investigar que pode ter algo a mais do que um simples desânimo.
Maisla Souza explica que “não há cura” para estes sentimentos de luto e solidão “pois não se trata de uma doença”. Mas é possível “criar estratégias para lidar com o idoso e dar mais qualidade de vida a ele”. De acordo com a psicóloga, para enfrentar esta situação é preciso “fortalecer os vínculos familiares e comunitários”.
A profissional cita que a sociedade é muito imediatista e cobra reação rápida de quem perde um ente querido. “Cada um reage a sua forma. Uns demoram mais tempo, outros menos. É preciso respeitar o tempo de cada um”.
O corpo fala – A literatura diz que somatização é quando a mente, por meio de pensamentos e do estado emocional em conflito, manifesta dores e doenças no corpo físico. Através das nossas condições psicológicas, o corpo pode responder apresentando um problema que até então não existia.
Não tem como “tratar a somatização”, mas é fato que sentimentos de luto e solidão provocam a perda de apetite, afeta o sono, aumenta o estresse. E isto enfraquece o corpo, ficando mais vulnerável a doenças. “O corpo fala”, diz a psicóloga.
O médico Adilson Silvestre, que conclui este ano sua residência em geriatria, confirma que os problemas emocionais podem evoluir para doenças físicas “É a somatização”, concorda com a psicóloga.
Silvestre está fazendo avaliações de aptidão física para os idosos que querem participar das atividades do CCI, instituição mantida pelo Instituto Maurício Gehlen (IMG). Inicialmente sua presença no Centro do Idoso foi através da Unimed, parceira do Instituto. Quando o prazo terminou, ele continuou fazendo o trabalho como voluntário
Ele cita que os sintomas físicos mais comuns nestes casos podem ser dores generalizada pelo corpo (fibromialgia), dores lombares e cervicais. “As vezes é uma dor torácica, uma angina que o paciente sente que estaria enfartando”, acrescenta.
“Não existe remédio melhor que o amor da família. O carinho e o afeto são importantes quando o idoso apresenta problemas emocionais. Quando surgirem os sintomas e persistirem, a família deve procurar ajuda de um médico que pode ajudar na solução do problema”, aponta o médico.