DANIELE MADUREIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um lojista do Shopping Center Norte, na zona norte da capital paulista, levou um susto ao receber este mês o boleto com a cobrança do aluguel, condomínio e fundo de promoção: R$ 115 mil. Detalhe: a loja dele tem apenas 50 m². O aluguel de um espaço comercial de 100 m² nas imediações, na rua, custaria R$ 12 mil. Essa comparação entre o custo do shopping e o custo da rua entrou de vez nas contas dos lojistas e parte deles tem migrado para os espaços abertos.
“O boleto de janeiro chega com a cobrança do 13º aluguel, sobre vendas de Natal que simplesmente não aconteceram ou pelo menos deixaram muito a desejar”, diz Mauro Francis, presidente da Ablos – Associação Brasileira dos Lojistas Satélites, que representa lojas de até 200 m² instaladas em shopping centers.
As satélites são lojas menores do que as âncoras, que costumam ser o chamariz dos empreendimentos. As cerca de 100 redes associadas à Ablos somavam quase 6.000 pontos antes da pandemia. Agora são 3.500.
Se em um primeiro momento da pandemia, em 2020, com os shoppings fechados, as administradoras seguraram o reajuste anual e deram descontos sobre o aluguel, agora a realidade mudou. O reajuste pelo IGP-M está sendo repassado na sua integralidade, de acordo com o vencimento de cada contrato. “Dependendo da data-base, o reajuste acumulado em dois anos supera os 45%”, afirma Francis.
Como resultado de uma negociação cada vez mais dura com as administradoras, parte dos donos de lojas satélites têm migrado dos shopping centers para as ruas, muitas vezes nas próprias imediações do antigo empreendimento, para aproveitar a clientela. É o caso da varejista de moda MOB, da franquia de podologia Doctor Feet e da rede de moda festa Marília Marques. A varejista de acessórios Morana analisa caso a caso, mas tem interesse em aumentar o seu mix com lojas de rua.
Dona de 36 lojas em nove estados do país, a MOB fechou nove em shoppings durante a pandemia e abriu cinco lojas de rua. Uma delas é a da rua Indiana, no Brooklin, zona sul de São Paulo, nas proximidades do shopping Morumbi, onde uma unidade foi fechada.
Para Ângelo Campos, sócio da MOB, a gota d’água para deixar o empreendimento foi a cobrança de dois IGPM-s seguidos, que juntos somaram um reajuste de 47% sobre o aluguel de 2019.
“O custo de ocupação em uma loja de rua é pelo menos cinco vezes menor que a do shopping”, afirma. No custo de ocupação de um shopping entram aluguel, condomínio e fundo de promoção. “Esta soma precisa ser equivalente a no máximo 15% das vendas totais. Quando passa de 20% fica inviável”.
Segundo Campos, a questão da segurança como ponto alto dos shoppings já não é mais uma realidade. “Vemos shoppings serem assaltados, enquanto na rua, dependendo do bairro, a operação é segura”, diz. “Por outro lado, em uma loja de rua existe mais proximidade com o consumidor, a cliente pode tomar um prosecco com a gerente, por exemplo”.
Outros atributos vinculados aos shopping centers, como a oferta de conveniência e o estímulo para a compra por impulso, perderam fôlego durante a pandemia. As vendas online, em especial pelas redes sociais, ocuparam em boa parte este espaço.
Ao mesmo tempo, os cinemas, grande âncora dos shoppings, não recuperaram o público observado antes da Covid-19. Uma parte importante dos espectadores se acostumou às telas domésticas, consumindo serviços de streaming, como Netflix.
Um sinalizador da saúde dos empreendimentos são as vendas de Natal, a data mais importante do ano para o varejo. De acordo com a Abrasce – Associação Brasileira de Shopping Centers, as vendas de 19 a 25 de dezembro cresceram 10,7% nos shopping centers, atingindo R$ 5,3 bilhões. Descontada a inflação pelo IPCA, que no acumulado de 2021 foi 10,06%, houve empate. Para a Abrasce, o resultado tem a ver com o cenário macroeconômico, de inflação e desemprego, que tornam mais apertado o orçamento das famílias.
“Meu faturamento no Natal de 2021 foi 15% menor que o de 2019, ninguém vai duas vezes ao podólogo só porque é dezembro”, diz Jonas Bechelli, presidente da Doctor Feet, especialista em cuidados para os pés, referindo-se à prática da cobrança do 13º aluguel pelos shoppings, para abocanhar as vendas de Natal.
“Com a digitalização das vendas, este tipo de cobrança não faz mais sentido”, ressalta Francis, da Ablos. Todas as vendas dos lojistas são acompanhadas por um software instalado pelas administradoras no caixa. Segundo ele, a cobrança do aluguel é por um percentual das vendas, com um valor mínimo garantido em contrato (este valor é corrigido pelo IGP-M).
“Os shoppings precisam saber que a realidade mudou: aquela remuneração que eles tinham antes não corresponde mais à realidade dos lojistas”, diz Francis, cuja família é dona da rede de lojas de roupas para festa Marília Marques. Das 24 lojas de 2019, 18 foram fechadas durante a pandemia, todas em shoppings. Uma foi aberta na rua.
“Está ficando insustentável ficar nos shoppings, em algumas lojas o reajuste dos últimos dois anos atingiu 38%. Estamos fazendo tração para ir para as ruas, não vai restar alternativa”, afirma Bechelli, da Doctor Feet, que analisa a possibilidade de migrar para os strip malls – um modelo de negócio que reúne lojas a céu aberto, com estacionamento gratuito, nos moldes de um outlet, mas de menor porte.
Com cerca de 80 lojas em 11 estados e no Distrito Federal, a maioria em shopping centers, a Doctor Feet fechou 10 pontos nos empreendimentos durante a pandemia. “Os shoppings têm se mostrado muito inflexíveis, a negociação tem sido muito exaustiva, de cada lojista com cada empreendimento. Temos que pedir bênção para sobreviver”, diz Bechelli.
Já a rede de acessórios Morana, dona de 278 lojas, só migrou uma loja de shopping para rua até agora. “Não é uma manobra simples”, diz Danilo Assumpção, gestor executivo do grupo Ornatus, dono da Morana. “A vontade existe, mas é preciso esperar o fim do contrato de cinco anos com o shopping ou repassar o ponto, para não ter que pagar a multa, que é muito alta”, diz ele, ressaltando que também não é fácil encontrar bons pontos a céu aberto.
Do total da rede, 85% das lojas estão em shoppings. Em parte dos empreendimentos, a Morana entrou com ações revisionais de contrato, questionando o alto reajuste dos aluguéis. “Muitas lojas só voltaram ao faturamento de 2019 no último trimestre de 2021”, diz Assumpção. “Como vou operar com faturamento de 2019 frente aos custos de 2022?”.
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