*ADÃO RIBEIRO
Na última quinta-feira, o portal G1 publicou a reportagem de uma mulher de 41 anos, presa dia 29 de setembro por furtar dois pacotinhos de macarrão instantâneo, um refrigerante de 600 ml e um suco em pó em supermercado da Vila Marina, São Paulo. Detida em flagrante pela Polícia Militar ao tentar fugir, ainda machucou a testa e teve que ser medicada em um posto de saúde antes de ir para o xadrez. Total do furto frustrado: R$ 21,69.
Posteriormente ao flagrante, a mulher foi levada para a chamada audiência de custódia, diante de uma juíza, quando a sua prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, sob o argumento de que tinha outros furtos no currículo. Continuava presa, mesmo com a intervenção da defesa lembrando que ela tem cinco filhos para cuidar, sendo o mais velho com 16 e o mais novo com apenas 2 anos de vida.
Tudo isso já é chocante e confuso, mas vai piorar. A mulher afirmou no momento da prisão que “roubou” porque estava com fome. De fato, trata-se de um furto famélico, como ouvi de um delegado de Paranavaí em certa oportunidade, quando um desvalido foi preso por furtar dois pacotinhos de tempero daquela marca famosa (É o amor…).
Essa visão é a mesma da defesa da mulher, que cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo a ilegalidade da prisão por valor irrisório, o chamado princípio da insignificância ou estado de necessidade.
Deixando de lado o juridiquês, a vida prática nos mostra que essa mulher é tanto infratora quanto vítima. Ela é parte dos 19 milhões de pessoas que passam fome no Brasil, uma situação agravada pela pandemia de Covid-19 e pela omissão das políticas governamentais que não levam em conta o estado de exceção vivido atualmente.
A miséria absoluta dessa gente e a precariedade dos mais de 125 milhões em insegurança alimentar, requerem um novo olhar das autoridades e também da sociedade. Sem entrar no mérito da causa da infeliz detida por conta do miojo furtado, o cenário nos mostra que o País convive calmamente com pesos distintos para infrações previstas na mesma lei.
Como esquecer os milhões de dólares do ministro da Economia, que repousam confortavelmente em um paraíso fiscal e se valorizam todos os dias com a acelerada desvalorização do Real? De saída, seus dólares não são ilegais e têm previsão em lei, mas a política requer postura diferente. Afinal, se o ministro conduz a economia com competência, deveria deixar seus dólares na “Terra Brasilis”. Talvez (e só talvez), com o reforço desse dinheiro, a mulher encontrasse um emprego e desistisse de pegar o Tang alheio.
Resumindo a nossa conversa, no Brasil a coisa continua assim para os despossuídos: Macarrão mole; cana dura.
*Adão Ribeiro é editor do DN, historiador pela Unespar
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