Uma pesquisa revelou que 51% das mães brasileiras sentem culpa na maternidade. Elas se sentem culpadas em relação aos bebês, por acharem que poderiam fazer mais por eles, e por desejarem voltar a vida anterior ao nascimento das crianças. O estudo também mostrou que a sensação de culpa é ainda mais intensa em mães solo. Entre as entrevistadas, 45% apontaram esse como um sentimento que se identificam.
Mães de todas as configurações familiares também afirmam que se sentem julgadas. Questionadas se concordavam ou não com a frase “me sinto julgada como mãe”, 42% responderam que concordam com a sentença. Os dados fazem parte da pesquisa “Parentalidade Real” realizada pelo instituto On The Go e encomendada pela Huggies. O estudo, que contou com 1.010 mães e pais de 25 a 40 anos de todo o Brasil, foi realizado em fevereiro deste ano.
Para Ana Carolina de Oliveira Queiroz, psicóloga perinatal e especializada em parentalidade, a culpa é provocada por vários fatores. “Tem a questão de como essa mulher idealizou a própria maternidade”, ela comenta. “Mas existe também um fator social”. A construção da imagem da mãe como guerreira e super-heroína cria uma expectativa irreal do que é a maternidade e desumaniza as mulheres, diz com Queiroz, que também é estudiosa de causas sociais maternas.
O estudo também trata das maiores preocupações das famílias em relação aos filhos. Educação (84%) e saúde (82%) são as principais inquietações dos pais de todas as configurações familiares. Segurança e alimentação aparecem em seguida, em 74% e 72% das respostas, respectivamente. A inclusão também é uma preocupação. Quando questionados sobre educação, os temas mais relevantes para os pais foram o racismo (73%), diversidade (63%) e religião (62%).
Angie Cunha, 38, se tornou mãe solo quando a filha, hoje com 8 anos, tinha apenas 8 meses. O divórcio fez com que ela assumisse a responsabilidade da criação da menina. “Eu me culpava muito pelo abandono paterno, me sentia menos mãe por isso”, relata. Cunha ainda comenta que se sente julgada o tempo todo, principalmente por não ter escolhido um bom pai. Entre janeiro e junho de 2022, mais de 87 mil crianças foram registradas sem o nome do pai, de acordo com o Portal da Transparência do Registro Civil. Em todo o ano de 2021, foram mais de 163 mil crianças, cerca de 6% do total de nascidos.
Para a maquiadora Nathalia Camilo, 27, a culpa também está relacionada à paternidade. Ela tem uma filha de 3 anos e diz já ter questionado se o afastamento entre o pai e a criança não era culpa dela. O preconceito é uma das maiores angústias da maquiadora, que tem medo de a filha passar por situações de racismo e bullying. De acordo com o estudo, mães solo são as que mais se preocupam com o preconceito. “Principalmente por ela ser uma criança negra, todos os dias eu tenho uma preocupação”, diz a maquiadora.
Quando engravidou, sua família se afastou. Também não foi amparada pelo pai da sua filha e teve uma gestação de risco por ter desenvolvido infecção urinária. Durante esse período, sua principal rede de apoio eram amigas. A mãe de Camilo não recebeu bem a gravidez da filha, mas hoje ela se dá bem com a criança e, segundo a maquiadora, é a maior fonte de apoio que ela tem para conseguir estudar, trabalhar e cuidar da menina.
Assim como ela, 43% das mães solo relatam precisar de ajuda da família para cuidar das crianças. Para os casais biparentais, 46% afirmam que a principal ajuda são os próprios parceiros. A pesquisa também indica que pouco mais da metade das mãe solo, 56% delas, receberam algum apoio durante a gestação. Quando o assunto são mães de todas as configurações familiares, 59% afirmam que os parceiros estiveram presentes durante toda a gravidez.
De acordo com a psicóloga Queiroz, a falta de apoio faz com que mães solo sofram da chamada sobrecarga materna – quando todas as responsabilidades domésticas e de criação do filho recaem sobre a mãe. Essa sobrecarga causa fadiga, desinteresse, falta de energia e desesperança, podendo levar ao burnout e à depressão. A especialista observa, porém, que os mesmos efeitos podem ocorrer com mulheres de famílias biparentais onde os parceiros não participam ativamente do cuidado com os filhos.
A saúde das mães também impacta as crianças. Para Alessandra Almeida, psicóloga e conselheira do Conselho Federal de Psicologia, o desenvolvimento saudável da criança e a criação do laço afetivo materno dependem do bem-estar da mãe, que só pode ser atingido caso haja uma rede que dê suporte a essa mulher. “Você sentir-se responsável pelo desenvolvimento, pela transformação, pelo crescimento de um ser humano é algo incrível, só que precisa que você esteja emocionalmente disponível”, disse Almeida.
De acordo com a conselheira, que também é mestra em estudos interdisciplinares sobre mulheres, gênero e feminismo, não é possível educar uma criança sem ajuda. Entretanto, ela ressalta que não se deve esperar que uma mulher precise de um homem para ter um filho. Para ela, essa rede deve ser composta por políticas públicas como a melhoria de creches, maior preparo de varas familiares e criação de programas de qualificação profissional de mães, além de grupos de apoio emocional, seja na família, entre amigos ou com outras mães solo.
FolhaPress