Cenas como um adolescente fazendo a barba pela primeira vez em um espelho ao lado do pai, ou um homem segurando seu filho em uma bicicleta durante as primeiras pedaladas até soltar e deixá-lo pedalar sozinho, ou mesmo um olhar de orgulho de uma criança em direção ao pai de terno e gravata, são imagens que já povoam a mente do imaginário popular, quando se pensa na “figura” de um pai.
A influência que a relação com os pais exerce nos filhos não é só uma ideia promovida pela indústria de entretenimento, mas uma realidade que impacta diretamente a vida de milhões de crianças em todo o mundo e o comportamento que desenvolverão futuramente. É o que comprova o estudo publicado em 2020 pela revista “Child Development”, que revela que meninos cujos pais participam mais ativamente em suas criações são mais propensos a ter sucesso na escola, a se envolver em atividades extracurriculares e a ter relacionamentos positivos com os pares.
Outra pesquisa, publicada pela revista “Journal of Personality and Social Psychology” em 2019, constatou que os filhos de homens que expressam emoções positivas tendem a ser mais extrovertidos, abertos a novas experiências e resilientes. Entretanto, as crianças criadas por pais que manifestam emoções negativas são mais propensas a desenvolver agressividade, impulsividade e depressão.
“O machismo prega que homens não devem demonstrar sentimentos, que precisam ser viris, dissociando as características masculinas da dimensão emocional dos seres humanos. Isso é um absurdo que já se provou totalmente prejudicial para a criação de uma criança. É necessário pensar em uma masculinidade saudável, que rompe com o modelo normativo de que ‘o homem é o contrário do que se espera da mulher’, e aproximar mais esses valores”, explica Renata Torres, co-founder da Div.A Diversidade Agora! e especialista em diversidade e inclusão.
Segundo Renata, é uma questão de promover a igualdade também, mas há outros fatores em questão. “É pensar na saúde mental do seu filho, que pode crescer não só com valores que já não são mais condizentes e alguns não mais toleráveis pela sociedade atual, como também afetar seu desenvolvimento de suas habilidades emocionais”, explica.
A fala da especialista é reiterada pela pesquisa “Masculinidade tóxica e saúde mental dos homens no Brasil”, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo o estudo, homens que se identificam com os estereótipos de masculinidade tóxica são mais propensos a sofrer de depressão, ansiedade e até suicídio.
Kaká Rodrigues, também co-founder da Div.A Diversidade Agora! e especialista em diversidade e inclusão, enfatiza a extrema importância da figura paterna no contexto doméstico. No entanto, Kaká observa que é um desafio para os homens transmitirem esses valores aos filhos.
“Mais do que o machismo, vivemos uma cultura da ‘masculinidade hegemônica’ entranhada na sociedade desde o início dos tempos, que inferioriza a mulher. É esse tipo de pensamento e de atitude que precisa ser enfrentado dentro dos lares, e o principal exemplo para os meninos vem do pai, que, na grande maioria das vezes, teve uma criação dentro desses valores nada saudáveis”, esclarece a especialista.
Kaká enfatiza que o aprendizado deve ser conjunto no ambiente familiar. “Por isso, o homem deve primeiro buscar essa autoconsciência sobre quais das suas atitudes e falas diárias podem ser consideradas tóxicas, informar-se sobre uma masculinidade saudável para, então, poder passar isso para os filhos”, observa Kaká.
“Embora possa parecer um processo complexo à primeira vista, a base de tudo é o respeito, e é sempre importante seguir a premissa de que ‘seres humanos são complexos, são sim racionais e também são seres sencientes’. Esse olhar humaniza a vivência dos homens, ao abrir espaço para que eles possam se conectar e expressar as suas emoções, através da vulnerabilidade que é uma poderosa força de conexão entre pais e filhos.”, conclui Kaká.