MAUREN LUC
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Após um acidente vascular cerebral em 2014, Elaine Luzia dos Santos, então farmacêutica e estudante do terceiro ano de medicina no Paraná, ficou com o corpo totalmente paralisado. Sem poder falar nem movimentar braços e pernas, ela conseguia mexer apenas os olhos.
Um ano depois, apesar das limitações físicas, Elaine retornou à Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), em Cascavel, no interior do estado. Agora em 2022, aos 33 anos, ela completou o curso, e se tornou oficialmente médica.
No retorno às aulas a comunicação foi feita por meio de uma tabela, organizada por linhas e letras. “Ela piscava para a letra que queria dizer e com o tempo fomos estabelecendo agilidade para formar as palavras e frases”, afirma a docente de atendimento educacional especializado, Valderlize Dalgalo, ligada à universidade, que a acompanhou por seis anos.
A aluna consegue ouvir o professor, ler e entender as informações. Só precisa de ajuda para questionamentos ou para se comunicar.
Por isso, durante as aulas teóricas e práticas, Elaine era acompanhada em todos os momentos por Dalgalo, um serviço custeado pela própria instituição. Quando ela estava ausente, outro profissional a substituía.
“Falamos a linha primeiro. Se a letra que ela deseja está nessa linha, ela pisca. Depois dizemos as letras dessa linha e ela pisca de novo, formando as palavras”, explica Dalgalo.
Hoje, Elaine já consegue sustentar a cabeça e mover levemente os lábios. “Testei um software que me permitia navegar pela internet, mas deu defeito e não pode ser consertado, então ainda preciso de ajuda para me comunicar”, disse ela à reportagem.
A entrevista foi por escrito, via WhatsApp, com a ajuda de um familiar que digitou as mensagens. Ele usou a mesma tabela de letras, com linhas e colunas, para a médica se comunicar.
Nos estágios em hospitais, ela fazia perguntas (por piscadas), acompanhava evolução do paciente, realizava diagnóstico e procedimentos. Só nos exames físicos ela recebia o auxílio dos colegas. Assim, passou por ambulatório, unidade de saúde, pediatria, clínica médica, emergência, saúde coletiva, ortopedia e medicina cirúrgica.
A amiga e colega de turma Elaine Lima diz que o retorno não foi fácil. “Ela dividiu opiniões sobre como seria o futuro e se poderia exercer a profissão. Precisou ser forte e guerreira desde o início..
A nova médica diz que, apesar do AVC, decidiu seguir no curso porque queria realizar seu sonho de criança. “Foi quando me vi como paciente e tinha que retomar à vida, do jeito que fosse possível. A motivação foi meu amor próprio e o desejo de ser útil para as pessoas. Não posso fazer tudo, mas não significa que não possa ser nada.”
Apesar da determinação, ela afirma que sofreu preconceito durante o curso. “Ninguém falava diretamente para mim e alguns colegas me ignoravam. Alguns professores se recusavam a adaptar as provas, mas tudo mudou quando me inseri na turma. Eles aprenderam a falar comigo, me ajudavam e até me levavam para os churrascos. Os docentes também passaram a me apoiar.”
O que mais a incomodou neste processo, conta a recém-formada, foi ter que provar constantemente que a capacidade cognitiva, memória, aprendizado e discernimento estavam intactos. “As pessoas demoram a perceber que sou adulta e tomo conta da minha vida. Tendem a se dirigir aos meus familiares para fazer perguntas sobre mim, mesmo eu estando presente. Isso é bastante frustrante.”
“Elaine é sensível, humana, brilhante. Estuda muito, é focada, nunca faltava, não importava se a aula terminasse 1h da madrugada, no outro dia, 7h estava lá. É prova de que não existe limite para quem luta por seu sonho”, diz a amiga Elaine Lima, colega de turma.
Dalgalo se recorda de um atendimento com um paciente que emocionou a todos. “Um homem estava internado, bem triste, não se alimentava e recebeu a visita da Elaine. Quando soube que ela era aluna disse: ‘Nossa, se ela está aí, porque eu estou reclamando?’. Então passou a se alimentar e virou outro paciente.”
A Universidade Estadual do Oeste do Paraná precisou de um processo legal para inclusão, com autorização dos conselhos de classe médica, para adaptações à aluna, como permitir aulas práticas gravadas ou estágio com acompanhamento
“Não temos conhecimento de casos semelhantes ao da Elaine no Brasil nem em outros países”, diz o coordenador do curso, Alan Araújo. “Ela não se privou de nenhuma atividade de formação médica. Só não consegue fazer exame físico no paciente, mas pode ouvir os relatos e fazer a avaliação pois não há déficit cognitivo”.
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