ALEX SABINO
DA FOLHAPRESS
Com passos lentos, vacilantes e com as duas mãos no corrimão, Eder Jofre, 85, desce as escadas do sobrado onde mora no bairro do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. É uma raridade estar acordado àquela hora, no meio da tarde.
“Ele fica acordado à noite. Sobe e desce a escada. É o vigia da casa”, brinca a filha, Andrea Jofre Oliveira, 53.
O maior peso galo da história do boxe, segundo a revista especializada The Ring, tricampeão mundial e o mais importante nome do país na história do esporte, quase não fala mais. Apesar da idade e da doença degenerativa, ele ainda se lembra quem foi. Tão importante quanto isso, o mundo do pugilismo também.
Nesta quarta-feira (13), acompanhado de Andrea e de seu filho Marcel, Eder embarcou para os Estados Unidos. Vai entrar para o hall da fama da Costa Oeste americana, em cerimônia que será realizada dia 17 (domingo), em Los Angeles. Será o primeiro boxeador do país a ter seu nome na galeria.
Ele também já faz parte do Hall da Fama Internacional, o mais importante deles, criado em 1989. Foi indicado em 1992. Também é o único nome brasileiro. Faz parte de outras três galerias semelhantes que listam os melhores de todos os tempos na modalidade. Todas nos Estados Unidos.
A The Ring também o escolheu como melhor boxeador da década de 1960. Muhammad Ali ficou em segundo.
“Assistimos ao boxe na TV, juntos. Mas se está ruim, ele se irrita. Comenta: ‘ah, isso é luta?’ e não quer mais ver”, comenta Antonio Oliveira, 63, seu genro e uma das pessoas responsáveis por cuidar do legado do sogro.
Mesmo que se lembre de histórias antigas, Eder quase não consegue verbalizá-las. Ele sofre de encefalopatia traumática crônica, doença causada pelos repetidos choques na cabeça sofridos em seus 81 combates como profissional.
A sua trajetória é contada por quem o acompanhou. Como quando batia com as luvas uma na outra antes de soar o gongo, sinal de que derrubaria o adversário. Ou a capacidade de socar duas vezes seguidas com a mesma mão antes de trocá-la no pushing ball, aparelho em que um balão é sustentado verticalmente por cordas elásticas.
“Vê-lo pular corda era uma coisa incrível. Parecia que ele não colocava os pés no chão”, ainda se admira Andrea.
“O que mais me lembro e ainda me emociona foi quando meu pai ganhou o título mundial do peso pena [em 1973]. Eu tinha 10 anos. Levaram-me para o vestiário nos rounds finais. Ouvi a festa do público no ginásio em Brasília. Ele entrou no vestiário e cochichou no meu ouvido: este título é para você. Isso me emociona demais até hoje”, afirma o filho Marcel Jofre, 58.
Sentado em uma cadeira, Eder não tem reação com as histórias contadas por outros sobre seus feitos. Os problemas começaram em 1994, quando tinha 58 anos. No início, eram esquecimentos que divertiam familiares e amigos. Pareciam apenas momentos de distração. Onde estava a chave do carro? Ele havia ido ao banco naquele dia?
Tudo ficou pior em 2013, quando sua mulher, Maria Aparecida, morreu. Eder passou três dias a chorar. Dizia que queria morrer junto. Ficou deprimido e saiu de seu apartamento, na região central da capital, para a casa de Andrea e Oliveira. Seu humor alternava e tinha momentos de fúria.
Diagnosticado com Mal de Alzheimer, começou a ser medicado com calmantes, remédios para abrir o apetite, diminuir a salivação, ajudá-lo a engolir, ficar melhor disposto, entre outros.
“Ele chegou a tomar 14 comprimidos por dia. E andava em cadeira de rodas”, afirma o genro.
Eder Jofre não tinha Alzheimer. O neurologista Renato Anghinah percebeu que alguém nas fases finais da doença, como seria o caso do boxeador, não reconheceria as pessoas, não se recordaria de mais nada. E o paciente se lembrava. Ele tinha encefalopatia traumática crônica.
“O quadro dele não batia com o Alzheimer. Eder tinha compreensão das coisas, reconhecia as pessoas, fazia o que lhe pediam. Mudamos a medicação e ele teve uma melhora”, afirma Anghinah.
Hoje em dia, Jofre toma três comprimidos diariamente.
“Ele é forte demais. De noite, anda pela casa toda, o tempo inteiro”, constata Andrea.
Para Anghinah, a doença é resultado de repetidos golpes na cabeça recebidos no ringue. É o mesmo problema que preocupa e provoca estudos em atletas de futebol americano, rúgbi e futebol.