A eleição de Javier Milei, novo presidente da Argentina, trouxe diversas discussões e dúvidas entre os países parceiros do país, como o Brasil. De acordo com o filósofo e sociólogo Luiz Fellipe Gonçalves de Carvalho, essa eleição recebe bastante atenção porque simboliza alguns movimentos geopolíticos modernos, principalmente a ascensão de uma direita ainda não muito compreendida ideologicamente.
Partidários desse movimento desordenam o que se sabe sobre ideologias tradicionais porque combinam duas posições até então opostas: liberalismo e iliberalismo, “Assim como o ex presidente Jair Bolsonaro, que representa um liberalismo econômico do modelo de Paulo Guedes, mas uma intervenção do estado na vida pessoal dos indivíduos, interferindo em questões morais, que nada combina com o liberalismo”, explica o filósofo.
Mas o que é o liberalismo?
Luiz Felipe destaca que o termo é mal compreendido até hoje e apresenta algumas vertentes: Liberalismo filosófico, político e econômico. O primeiro foi um movimento pós-renascentista que reagiu ao constrangimento intelectual imposto pela Idade Média, em que a igreja detinha o monopólio da reflexão e do pensamento crítico. Essa reação é principalmente representada pelo Iluminismo como marco histórico que, em oposição, chamou o passado medieval de “Idade das Trevas”.
O liberalismo político herda do Iluminismo a motivação por liberdade, aplicando à vida pública e aos direitos civis, resgatando a democracia dos gregos como o sistema de governo mais adequado ao indivíduo civil, “Os principais acontecimentos históricos que marcaram esse tipo de liberalismo foram a Revolução Francesa e a Revolução Americana”, acrescenta o especialista.
Já o liberalismo econômico enxerga o homem como um ser essencialmente econômico cuja felicidade geral é condicionada pela econômica, “Assim, ele deve ser livre para fazer suas trocas sem a intervenção de outras forças que não a mão invisível do mercado, ou seja, do conjunto de outros entes que também participam de trocas. Os marcos históricos foram vistos na publicação da A Riqueza das Nações de Adam Smith em 1776 e a Revolução Industrial inglesa”, ressalta o sociólogo.
Os três se juntaram para criar uma nova era, a que chamamos de modernidade. E o que os três têm em comum? A ideia da liberdade. Entretanto, não necessariamente precisam andar juntos. Dessa forma, ideologias podem aceitar um tipo de liberalismo enquanto se rejeita outro. A social-democracia, por exemplo, pode aceitar o liberalismo político em sua totalidade, mas relativiza o econômico.
Mas como seria a organização dos liberalismos nessa nova direita representada por Javier Milei, Bolsonaro, Trump, e outros?
Para o especialista, essa resposta ainda parece confusa. Milei se autointitula libertário que, em tese, aceita os liberalismos em sua totalidade. Na teoria, o estado não deve existir, portanto, não deve haver nenhuma regulação, nem mesmo de costumes como criminalização de drogas, aborto, etc. No caso de Bolsonaro e Trump, há uma forte influência evangélica que defende ferozmente a regulação, pelo estado, de regras de costumes.
Ou seja, nem sempre o que parece liberal é tão liberal assim. Isso porque há uma influência de uma ideologia pouco conhecida chamada tradicionalismo. Luiz explica que essa ideologia, e sua influência na política atual, é analisada pelo etnógrafo Benjamin Teitelbaum no livro Guerra pela Eternidade. Ele mostra que figurões ideológicos como Olavo de Carvalho e Steve Bannon são assumidamente adeptos do tradicionalismo que pretende resgatar valores tradicionais até meio tribais (quem lembra dos trajes dos invasores do capitólio).
O tradicionalismo rejeita veementemente a modernidade e tudo aquilo que ela representa: igualdade, racionalismo, individualidade, direitos civis, etc. Isso acaba refletindo na visão que se tem sobre a ciência, sobre a democracia, sobre direitos humanos, sobre a alteridade.
O sociólogo finaliza afirmando que há muito o que se entender sobre essas novas culturas políticas. E a atuação de Javier Milei na Argentina irá descortinar novas análises.