André Franco
Era sempre assim: ele entrava no consultório dois minutos antes do horário, mas já havia chegado há mais de 20 minutos, quando optava por aguardar dentro do carro. Então, tirava o paletó cinza com precisão matemática e o pendurara no mancebo. Após, dobrava a manga da camisa até o cotovelo, e se sentava com a postura de quem participa de uma reunião — nunca de uma sessão.
Seu nome era Alberto. Executivo de uma empresa multinacional, 48 anos e 11 meses e 10 dias de idade, olhar agudo, voz firme, semblante sisudo. Na primeira sessão, falou do cargo, da equipe, dos prazos, das cobranças e das metas. Na segunda, dos relatórios diários, das reuniões, dos voos semanais para locais diversos e da ausência de descanso. Na terceira, da fusão da empresa e da pressão dos acionistas por lucros.
Dr. Thomaz ouvia. Com olhar calmo e aquele silêncio que às vezes valia mais do que qualquer intervenção. Era como um pescador que lança o anzol sem pressa, esperando que algo, em algum momento, o puxe e evidencie o êxito.
Eduardo não falava da família. Nem do passado. Nem usava verbos na primeira pessoa que não fossem conjugados com trabalho: “Entreguei”, “Assumi”, “Deleguei”, “Liderei”.
Parecia ser dividido em planilhas e preenchido por reuniões. Um homem que existia apenas das sete da manhã às onze da noite, de segunda a domingo, sempre postado com uma xícara de café sem açúcar na mão e um celular vibrando, mas sem som, no bolso.
Na quinta sessão, Dr. Thomaz mudou a ordem da sala. Retirou a mesa lateral, deixou só as cadeiras frente a frente. Eduardo estranhou, mas não comentou. Falou sobre uma viagem a China, sobre um negócio importante e também sobre um funcionário difícil.
E então, sem aviso, Thomaz perguntou:
— Quando foi a última vez que você chorou?
Eduardo silenciou, afinal não se lembrava de plano. O tempo entre a pergunta e a resposta não foi de segundos, mas de décadas. Seus ombros, sempre eretos, cederam um pouco procurando no tempo a última passagem da sensível emoção das lágrimas.
— Hummm…Eu… não sei.
Thomaz não disse mais nada naquele dia. O silêncio, como sempre, fez seu trabalho; e muito bem!
Na sessão seguinte, Eduardo chegou diferente. Não tirou o paletó. Não falou do trabalho. Sentou-se devagar e, depois de um longo suspiro, algo um tanto ensaiado, e disse:
— Doutor! Meu filho tem seis anos e me desenhou numa cartolina. Era o Dia dos Pais na escola. Em seu desenho eu estava com um notebook no colo e não aparecia meu rosto. Eu perguntei por que ele me desenhou assim. Ele respondeu: “Porque você é o homem que trabalha.”
A frase me puniu como quem apanha de chibata. Permaneceu em mim como um resfriado mal curado.
Eduardo, então, falou, falou bastante. Não de relatórios, mas de ausência. De como perdeu o primeiro sorriso do filho, a primeira apresentação de teatro, o primeiro tropeço de bicicleta. Falou da mulher que já dorme antes que ele chegue. E da sensação de estar sempre correndo atrás de alguma coisa — mas sem saber do quê.
Chorou, pela primeira vez em muitos anos. E naquele choro silencioso, quase envergonhado, algo se rompeu.
Dr. Thomaz apenas disse:
— O trabalho, tantas vezes, é o muro que erguemos entre nós e aquilo que verdadeiramente importa. Uma forma sutil de fugir do que sentimos, mas não ousamos explorar. É importante, sim — mas não basta. Talvez seja hora de despertar… e permitir que o amor, ainda adormecido, enfim floresça.
A sessão terminou em silêncio. Mas era outro tipo de silêncio — o que vem depois da primeira rachadura, quando o ar finalmente entra.
Eduardo saiu do consultório mais leve. E na semana seguinte, ao chegar, tirou o paletó como sempre, mas trouxe nas mãos uma cartinha colorida com lápis de cera: um novo desenho, agora com ele segurando a mão do filho e um sorrido nos lábios.
Thomaz sorriu.