*Daniel Medeiros
Em 1600, quando vários membros da Igreja levaram o filósofo e matemático Giordano Bruno para ser queimado em praça pública, colocaram uma máscara de ferro em seu rosto, para que ele não dissesse nada “perturbador” diante das centenas de pessoas que se amontoavam na Piazza Dei Fiori, no coração de Roma. Bruno morreu por defender que as estrelas não estavam fixas no céu, como defendia a Igreja, e que essa ilusão ocorria porque elas estavam muito distantes de nós. Bruno defendeu que ao redor das estrelas deveriam existir planetas, e que nesses planetas poderiam existir vida como aqui. Também afirmou que o Universo não poderia ser finito, pois se o fosse, o que haveria depois dele seria o Nada e isso não era compatível com a ideia de que D’us criou Tudo. Logo, o Universo só poderia ser infinito e, portanto, sem um centro definido.
Essas ideias “perturbadoras” eram incompatíveis com a doutrina da Igreja, que imaginara um céu que corroborasse a ordem social que sustentava aqui na Terra: fixo, regular, eterno, tendo a Igreja como centro e todas as outras instituições girando em um movimento circular perfeito em torno dela. Conservar essa ideia na mente das pessoas, ensinando-as desde cedo, e impedir que qualquer ideia diferente – as heresias – fosse difundida, insinuando-se no tecido social, era uma tarefa importante dos operadores da religião. A censura e a violência eram os instrumentos de intimidação e supressão.
Assim como ocorreu com Giordano Bruno e quase também com Galileu Galilei, que, usando uma tecnologia aperfeiçoada por ele, o telescópio, provou que havia planetas girando em torno de Júpiter, o que queria dizer que a Terra não era o centro de tudo, havia outros centros, possivelmente inúmeros centros, o que quer dizer que não havia, de fato, centro nenhum. Galileu foi preso e acorrentado em uma masmorra, escapando da morte porque abjurou de suas descobertas. Morreu em prisão domiciliar, sem poder publicar mais uma linha sequer.
Com o passar do tempo, porém, e ao custo de muitos outros sacrifícios, a Ciência conseguiu superar as amarras da religião e demonstrou que o Universo é absolutamente ignorante sobre as pretensões centralizadoras da Igreja e os seus anseios conservadores. O Universo visível estende-se por 15 bilhões de anos-luz e, além dele, quem pode afirmar quanto mais de Universo ainda existe? Fomos transferidos da posição de centro do Universo para a condição de micro poeira cósmica, girando em falso em torno de uma estrela de quinta grandeza, em uma galáxia comum, como outros trilhões de galáxias penduradas no Universo observável.
Essa insignificância permitiu que abandonássemos nossa ridícula sensação de grandeza e voltássemos nossa atenção a nós mesmos e à nossa possibilidade de vivermos o átimo de tempo que nos é destinado com o máximo de qualidade e respeito mútuo possível. Também permitiu que entendêssemos que não há posição fixa incontornável e que o que chamamos de tradição é só uma ignorância que perdura um pouco mais de tempo, até descobrirmos que há sempre muito mais coisas do que buscamos classificar e definir como “o certo” ou como o “verdadeiro”. Essa é a tarefa do Conhecimento e esse é o maior temor dos que querem conservar certas visões de mundo: o temor de ser desbancado de sua posição de importância e de poder, como foi a Igreja em um certo tempo da nossa História. Nessas horas, é possível que muitos desses conservadores devam suspirar com certa nostalgia do tempo no qual eles podiam encerrar um pensador em uma masmorra ou colocar nele uma máscara de ferro e transformá-lo em cinzas, em plena luz do dia.