*Renato Benvindo Frata
“Quando eu estiver bem velho, calva branca com uma faixa de cabelos a lhe dar moldura, acho que serei um sábio, porque ao que se conta, à medida que a idade chega traz consigo uma braçada por vez de sabedoria que se acumula em camadas, como bolo fofo e saboroso. Não importa que a essa época já não possua firmeza nas pernas, que os passos não sejam apressados, que minha jarda tenha se encolhido, mas a idade permitirá que eu siga devagar escorregando solas no asfalto alisado, nas saliências da terra nua que continuará quente ao meio-dia, ou arenosa, ou barrenta, ou fofa, ou pedregosa, mas fértil e produtiva porque, penso, os homens a terão tratado com o devido respeito. Também não terá importância se minha visão não permita enxergar com nitidez as cores com nuanças dos contornos sutis das montanhas se sobressaindo do horizonte, e me limite a vislumbrar um barrado sem cor definida, e nem consiga enfiar a linha na fina agulha. Com a minha idade, já terei formado em meu cérebro todas as cores e derivados, e todas as formas, e poder dar às coisas as que quiser, ora mais salientes e vistosas ou brilhantes e resplandecentes, opacas ou desbotadas. Os músculos que já não se sobressairão dos bíceps, serão flácidos, em pelancas e, já que não tive a propensão de atleta de academia, continuarei tendo o sedentarismo como hábito, tal como quem gosta de cerveja, vinho, queijo, quitutes, delícias da culinária. Apenas o espinhaço, pressinto, terá se curvado a criar cartilagem e me deixará curvado, os ombros pendentes em sinal de que a pressa e a vontade de seguir na longa caminhada se manteve. Os dentes que já foram alvos, brilhantes e alinhados, terão sido substituídos, mas continuarão a aparecer em cada sorriso ou cumprimento aos passantes, pois do que mais gostarei será sorrir ao cumprimentar, e assim, assumindo a aparência de velho, seguirei trôpego sem a preocupação com o dinheiro que hoje me agita e angústia, sabendo que a velhice traz a despreocupação com o ter.
A vaidade cede lugar à razão e os parcos recursos da aposentadoria injusta e ingrata deverão servir para o suprimento das necessidades básicas, menos aos remédios que compõem a excrecência da indústria química onde o lucro vive da morte, e não da cura. Os extratos bancários com sinais de mais e menos, causadores de náuseas e insônia já terão perdido importância e não passarão de simples tiras que o vento levará. Como a ofensa de orgulhosos em soberba que receberei pelo fato de ser velho, de quem se julga importante e se esquece que um dia poderá sê-lo. Essa será absorvida com a facilidade que a sabedoria se mutará em paciência; afinal, “orgulho e vaidade têm vida de borboleta. Dura um nada.”
Esse texto é de julho de 1976, escrito com um estado de espírito tão ruim que me levou a fazê-lo e, o relendo, embora não esteja tão velho quanto a predição, algum acerto há, especialmente na aparência, musculatura, andar impreciso, visão opacada, sorriso espontâneo, saldo bancário controlado e em especial, o valor da aposentadoria em relação ao preço de remédios que, tanto na época, como agora e no futuro, continuará sendo excrecência em relação à realidade, a desiquilibrar qualquer pagante.
Não há aposentado que não sinta nojo e dor no estômago diante de uma farmácia, mal que o persegue dos primeiros aos últimos passos, em que o velho paga com o que não tem, sabendo que deixa mais ricos os já ricos, e os remédios, invés de curarem, alongam a jornada em falsa esperança!
Tenho que o preço do remédio destinado a idosos é uma inegável prova do cultivo ingrato do etarismo pelas indústrias farmacêuticas, prática odiosa a ser repudiada por qualquer sociedade séria.