*Marcia Esteves Agostinho
Casei-me e tornei-me mãe na década de 1990. Naquela época, ser mãe solteira já era socialmente aceitável e, se intencional, até bem-visto. Era a tal “produção independente”. Ainda assim, reconhecia-se a vantagem de criar filhos com um marido – o que nem sempre é possível. Portanto, era comum me perguntarem como havia conhecido meu marido. Respondia com minha versão da tradicional piada misógina: “Fiz Engenharia. Mas não funcionou. Já estava apelando para o doutorado em Engenharia, quando, finalmente, encontrei um marido! Agora eu posso estudar História…”
É claro que não era essa a intenção quando escolhi minha carreira. Brincadeiras à parte, eu realmente tive sorte de conhecer alguém para casar, capaz de compreender e apoiar minhas escolhas. Afinal, um número crescente de mulheres tem enfrentado uma escassez de “homens casáveis”. Essa é a expressão que a economista americana Melissa S. Kearney usa para se referir aos homens incapazes de contribuírem para a economia da família. No livro “The Two-Parent Privilege” [O privilégio da dupla parentalide], ela mostra evidências de que, nos EUA, os rendimentos das esposas não costumam ultrapassar os dos maridos e, quando o fazem, há uma maior chance de divórcios.
Ao mesmo tempo em que as normas de gênero tradicionais continuam válidas, a maior escolaridade das mulheres fez com que elas pudessem se tornar economicamente independentes. O resultado é que elas têm menos incentivos econômicos para se casar. Consequentemente, mais crianças crescem em famílias monoparentais.
Fiquei surpresa com a similaridade entre os casos americano e brasileiro no que ser refere à relação entre diploma universitário e casamento. Apesar das diferenças culturais e econômicas, em ambos os países o casamento tornou-se mais comum entre as pessoas com maior instrução e, portanto, mais ricas. De acordo com o Censo Brasileiro de 2010, 83% da população com ensino superior era casada, enquanto apenas 66% das pessoas com nível inferior ao ensino médio eram oficialmente casadas. Kearney mostra que, para os EUA, os números são ligeiramente acima de 70% para indivíduos com diploma universitário e abaixo de 60% para indivíduos sem diploma universitário. Portanto, o que escrevi sobre o meu país também se aplica aos EUA: “Pessoas educadas oficializam suas uniões”.
No entanto, uma distinção intrigante me ocorreu ao ler o livro de Kearney. Ela afirma que “quando as pessoas experimentam um aumento na renda ou na riqueza, elas tendem a ter mais filhos”. Os dados do Brasil mostram uma realidade diferente: a presença de filhos é inversa à renda familiar. Enquanto a maioria (69%) das famílias mais pobres são casais com filhos, apenas uma pequena parcela (6%) é de casais sem filhos. Em contrapartida, entre a classe mais rica, 44% são casais com filhos e 37% sem filhos. Portanto, no Brasil, quanto mais rico você for, maiores serão suas chances de casar e ter menos ou nenhum filho.
Olhando para meus filhos se transformando em adultos, não posso deixar de pensar em como eles são privilegiados por terem sido criados por ambos os pais. E quando olho para tudo que meu marido e eu construímos juntos, percebo o privilégio que é fazer parte de um casal. O paralelo entre os dois países tende a confirmar a tese do “privilégio dos dois pais”. Além disso, chama a atenção para os benefícios de viver junto como casal, mesmo que não seja pai ou mãe. Ser casal é um privilégio, mesmo sem filhos.