REINALDO SILVA / reinaldo@diariodonoroeste.com.br
A cabine eleitoral protege o principal instrumento da democracia: o voto. Direto, secreto e universal, é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que reúne as regras fundamentais para o funcionamento do Brasil, a lei máxima. Conforme consta no documento, o voto é personalíssimo e obrigatório.
Quando está diante da urna eletrônica, o eleitor tem a possibilidade de definir o destino do país. Com apenas alguns toques, cada cidadão ajuda a desenhar o futuro e deixa própria impressão digital marcada para sempre na história.
A partir desta terça-feira (27), o Diário do Noroeste traz uma série de reportagens sobre o processo eleitoral, as mudanças pelas quais passou, os avanços, as interrupções, as retomadas. Em cada episódio, uma parte da trajetória que construiu o que hoje se convencionou chamar de festa da democracia.
Nossa caminhada até 2 de outubro de 2022 começa em 1891, com a primeira Constituição do Brasil na era republicana. Teve como característica a instituição do regime presidencialista e a separação entre o Estado e a Igreja. Ao mesmo tempo extinguiu o voto censitário ou por renda e classificou todos os cidadãos como eleitores.
Mas até 1930 não havia o princípio da inalienabilidade. Os eleitores eram submetidos a assédios diretos do poder local. Reinava na República a monarquia do voto de cabresto.
Getúlio Vargas – O professor da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) Renan Bandeirante de Araújo, graduado em História e doutor em Sociologia, conta que a ruptura com a antiga oligarquia se deu com a chegada de Getúlio Vargas à Presidência. Ele permaneceu no poder por 15 anos, até 1945 e governou com o propósito de melhorar a vida dos mais pobres, em busca do desenvolvimento do Brasil.
Getúlio Vargas voltaria ao cargo por mais três anos e meio, de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954, quando cometeu suicídio. Sucederam-no Café Filho (1954-55), Carlos Luz (1955), Nereu Ramos (1955-56), Juscelino Kubitschek (1956-61), Jânio Quadros (1961), Ranieri Mazzilli (1961) e João Goulart (1961-64).
Começava, então, o regime cívico-militar. A professora da Universidade do Norte do Paraná (Unopar) Fabiane Taís Muzardo, doutora em História, explica que a ditadura aboliu o voto direto. “Significa dizer que não era a população que votava para escolher seu presidente, governador e afins.”
Uma das principais características do período militar foi a promulgação dos Atos Institucionais, entre eles, o que acabou com a maior parte dos partidos políticos no país, permitindo apenas a existência de duas siglas: Arena, do governo, e MDB, de oposição. “Oposição bastante branda, por sinal, haja vista que se trata de um período em que perseguições políticas e censura eram comuns e cotidianas”, destaca a professora Fabiane Taís Muzardo.
Experiência – Aqui, abrimos espaço para o advogado Paulo Campos, de Paranavaí, que, mesmo vivendo em uma cidade distante dos grandes centros, presenciou os reflexos do regime ditatorial.
Escreveu a peça teatral “Vila Montoya”, referência ao primeiro núcleo habitacional de Paranavaí com o mesmo nome. A peça foi encenada no Festival Internacional de Londrina (Filo), mas não antes de passar pelo crivo dos militares.
À paisana, eles acompanharam os ensaios e indicaram trechos que deveriam ser retirados do texto, alterando diálogos de dois personagens. No dia da apresentação, um dos atores respeitou o corte, mas o outro não conseguiu se lembrar da exigência e declamou toda a fala. Policiais subiram ao palco e levaram os artistas para os bastidores. O público aplaudia o espetáculo de forma efusiva, na tentativa de sensibilizar as autoridades e evitar a prisão. Depois de muitas conversas, seguiram em liberdade.
Na arte, como na vida, a atuação do regime ditatorial deixou marcas nas lembranças de Paulo Campos. No trajeto que fazia diariamente para casa, passava pela Delegacia de Polícia e com frequência escutava gritos que, não tem dúvidas, eram de pessoas torturadas. A sensação era de insegurança. O tempo todo. “Foi um período tenebroso. Uma era nefasta”, lamenta o advogado.
No raiar nos anos 1980, o movimento Diretas Já lutou pela volta da participação popular com o voto direto, daí o nome atribuído à mobilização popular que chegou a levar mais de 1 milhão de pessoas para as ruas do Brasil.
“Apesar da magnitude, o retorno do voto direto ainda foi rejeitado pelos que ocupavam o poder naquele momento. Mesmo não tendo conquistado seu objetivo, as Diretas Já representam um desejo e uma luta da população”, avalia a professora Fabiane Taís Muzardo.
O professor Renan Bandeirante de Araújo relembra que a primeira eleição direta para governador aconteceu em 1982 – no Paraná, o eleito foi José Richa. No âmbito federal, o último governo militar terminou em 1985, com o presidente João Figueiredo. No mesmo ano, foram realizadas eleições indiretas para presidente, mas o eleito, Tancredo Neves, morreu antes de tomar posse. Assumiu o vice José Sarney.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficou estabelecido o sistema de votação direta, ou seja, com a população escolhendo quem gostaria para os cargos eletivos, sem a interferência do colégio eleitoral. O primeiro presidente eleito nessa nova configuração foi Fernando Collor, que permaneceu no cargo até 1992, quando sofreu processo de impedimento. Ele venceu Luiz Inácio Lula da Silva, que posteriormente seria eleito presidente.
Vieram, em seguida, Itamar Franco (1992-95), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10), Dilma Rousseff (2011-16), Michel Temer (2016-18) e Jair Bolsonaro (2019 até agora).