De acordo com o jornalista e filósofo Clóvis de Barros Filho, o conceito de felicidade envolve a pretensão de converter um instante de alegria em eternidade. Percebemos a felicidade quando vivemos um momento que não queremos que acabe mais, ou que dure o máximo possível. E para seu colega mais antigo, Aristóteles, a felicidade é o bem mais desejado pelo ser humano, e para tê-la é preciso praticar ações virtuosas. Nutrir esse sentimento em relação ao trabalho se tornou algo muito relevante para os profissionais nos últimos cinco anos, com um importante empurrão da pandemia, que fez muita gente repensar sua relação com a vida.
A premissa de que “quero apenas fazer o que me faz feliz” vem ganhando cada vez mais relevância na hora de aceitar uma nova oferta profissional do que salários mais altos, benefícios e outros atrativos, algo que foi impulsionado pelas novas gerações. “O trabalho deixou de ser apenas algo que envolve muito mais do que simplesmente ganhar dinheiro. As pessoas hoje querem trabalhar movidas por um propósito e desafios. Elas querem estar em um lugar onde possam ter a liberdade de ser quem são, levar uma rotina mais equilibrada e construir um legado”, diz Fabio Cassab, sócio da EXEC, empresa especializada na seleção e desenvolvimento de lideranças.
Essa valorização da felicidade ainda é algo relativamente novo no mundo corporativo, porém está bastante presente nos processos de seleção de executivos, de acordo com Cassab. “Durante essas conversas, as palavras ‘desafio’ e ‘propósito’ são as que eu mais escuto dos candidatos. No entanto, ainda não há clareza sobre qual é essa felicidade e como esse conceito vai mudando ao longo das nossas vidas. Eles querem estar em um lugar que os faça felizes, mas não sabem ainda direito o que elas querem em relação a isso, pois não é algo tangível e fácil de se definir. Não há uma receita pronta”.
Fabio complementa ainda que, por isso, poucos profissionais são “donos” de suas carreiras. “Por não terem definido dentro de si o que querem, acabam se deixando levar pela maré ou como os gestores querem que eles conduzam o barco”.
Pandemia e transformações – A busca por essa “nova” felicidade teve a pandemia como um divisor de águas. “Já havia um movimento mais lento sobre a mudança de visão a respeito da relação com o trabalho, mas com as pessoas dentro de casa por conta da pandemia, a reflexão sobre a importância de levar uma vida melhor ganhou grandes dimensões, com as discussões sobre a importância da saúde mental.
Principalmente os profissionais das novas gerações passaram a querer fazer algo que os deixasse confortáveis, com muitos direitos e alguns deveres se comparado com a década anterior”, ressalta o especialista.
Cassab se refere ao que era considerado felicidade há alguns anos, como ter um trabalho com carteira assinada, com bom salário, com segurança, galgar passos rumos a cargos cada vez mais altos e fazer carreira na mesma empresa por anos. “Isso tudo era sinônimo de status e sucesso, aspectos ligados ao que se entendia por ser feliz profissionalmente”.
Ainda nesse período, uma das principais características que eram valorizadas pelas empresas era a disponibilidade do executivo para estar onde a empresa precisasse, o que já não funciona mais atualmente de forma tão simples. “As empresas estão tendo que ter um olhar mais cuidadoso para as pessoas, isso porque se estiverem felizes tendem a produzir mais e serão mais engajadas”, ressalta Fabio. E esse fato já foi comprovado em pesquisas, como em um levantamento feito pela Harvard Business Review, que apontou que colaboradores satisfeitos são 31% mais produtivos, 85% mais eficientes e 300% mais inovadores.
Individual x coletivo – Para as empresas, principalmente para as grandes corporações, o grande desafio é olhar cada colaborador de forma individual, com suas necessidades e aspirações. Por isso, várias multinacionais, como é o caso da Heineken, por exemplo, já criaram diretorias voltadas para cuidar da felicidade de seus colaboradores. “As companhias estão buscando entender como deixar seus colaboradores felizes, por meio de ações de engajamento e bem-estar”.
Fabio aponta que esse movimento ainda está muito no começo e ainda há uma longa caminhada pela frente, sob a ótica organizacional. “Há um conflito de interesses a ser superado, pois é preciso entender até onde as companhias estão dispostas a investir em programas para manter as pessoas felizes versus retorno financeiro. Se o acionista não perceber que esse tipo de prática traz retorno, vai ser difícil manter essas iniciativas”.
Para o especialista, o ser humano não é uma ciência exata, e que os departamentos de RH das empresas têm um desafio importante pela frente. “É preciso testar modelos, ações, metodologias para tentar acertar, pois não estamos lidando com algo matemático. Felicidade não se quantifica. Apenas se sente”, conclui.