O relógio de parede na Clínica do Dr. Thomaz marcava 16h08 quando iniciou a terapia. Valentina entrou curvada, como quem carrega um peso nas costas disfarçado de mochila. Sentou-se sem dizer bom dia, largou a mochila, cruzou os braços e soltou, entre os dentes:
— Dr. Thomaz… por que tudo que eu quero parece que me escapa? Minhas vontades nunca são consideradas …
O terapeuta a observou com os olhos de quem já viu dezenas de Valentinas em suas estações de angústia. Ajeitou os óculos com o dedo do meio, puxou o bloco de anotações, mas não escreveu nada, somente aquele rabisco que cessa a impaciência. Apenas disse:
— Você conhece a história do povo que quis um rei?
Ela franziu a testa.
— Do “Game of Thrones”?
Ele riu, mas com ternura e compreensão.
— Não, da Bíblia mesmo. De Israel, quando ainda era guiado por juízes e pela voz direta de Deus. Eles queriam um rei. Você sabia? Eles queriam algo que pudessem ver, tocar, controlar. Assim como você busca e deseja agora, com essa ansiedade no peito — algo imediato, visível, que traga alívio e direção, rumo à realização de suas vontades…
Ela o encarou, um pouco menos tensa, mexendo os dedos como se tocasse um piano, em clara manifestação de ansiedade.
— E o que aconteceu? – perguntou ela.
— Deus avisou que aquilo não era o melhor. Que o rei que eles pediam tomaria os filhos, os campos, a liberdade. Mas o povo insistiu, não ouvia o recado Divino. “Queremos um líder como as outras nações”, diziam. Então, Deus cedeu. Não por aprovação, mas por amor pedagógico. E veio Saul.
— E foi um desastre? — perguntou Valentina, agora interessada.
— Foi. Saul era tudo o que o ego dele desejava: forte, bonito, com presença física. Mas era vazio de obediência, inseguro, impaciente. Ele não ouvia ninguém e nem esperava conselhos. O povo, então, entendeu que a pressa é como se colher uma fruta verde: amarga, difícil de engolir.
Valentina abaixou os olhos.
— Então… talvez estes objetivos que eu tanto busco e não consigo fazer acontecer… talvez não seja melhor que ocorra agora?
— Sim. Talvez só não seja o tempo certo. Às vezes, Valentina, a negação de hoje é a proteção de amanhã. Nem toda porta fechada é rejeição. Às vezes, é desvio de tragédia.
Ela respirou fundo.
— Então o povo teve um rei ruim… e depois?
— Depois de aprender que Saul não era o que desejavam, entenderam que tudo tem o seu tempo e, então, Deus levantou Davi. Um homem improvável, o mais novo de oito irmãos, pastor de ovelhas. Mas era o certo. Porque tinha coração alinhado ao céu. Porque sabia esperar. Ele derrotou Golias e foi considerado o maior Rei de Israel, antepassado de Jesus.
Dr. Thomaz se levantou, foi até a prateleira e pegou uma pequena ampulheta.
— Aqui, leve com você. Quando sentir que está se afogando na pressa, na ansiedade, vire. Assista a areia cair. Lembre-se: há bênçãos que só chegam quando estamos preparados.
Valentina sorriu, pela primeira vez em dias. O peso já não era mais só dela e nem dos seus olhos. E o tempo, agora, parecia mais aliado do que inimigo.