**Ricardo Pereira de Freitas Guimarães
e Marco Aurélio Fernandes Galduróz Filho
O tempo é o átimo do instante que insiste em perseguir o próximo átimo e envelhecer as coisas. O espaço, de outro lado, é representado pela fotografia da imagem com os fatos que a circundam. Referida foto pode ser isolada de relação interpessoal ou se representada pela relação interpessoal se torna um fato vivo, ou seja, um fato filme.
A vida do fato filme só se transmite pela diástole dos sentidos observados, que acaba por impulsionar o quadro em movimento.
Daí se observa com maior clareza a ação e reação humana, que se presta ou se mostra como a real identificação de um acontecimento. Ainda que receba o nome de “real acontecimento” o limite do real acaba sendo lapidado pela interpretação de quem vê o quadro ou o filme, dando a ele sua visão.
Referida visão é na verdade o modo de recepção da fotografia (fato estático) ou do filme (fato em ação) e será sempre autêntica no que se revela a mistura de quem vê e como vê o fato observado.
O fato em movimento é o acontecer histórico que sempre será puro em si, contudo, quando um observador invade referido tempo e espaço remove a autenticidade do fato, sempre, tornando-o impuro.
Nessa condensação é possível observar a evidente e transparente desconexão entre o que se chama de verdade com os fatos.
Isso se dá, pois, nenhuma visão está livre de qualquer miopia do fato observado. Mas, há ainda outra questão.
Ao identificar-se um fato, a transição entre sua identificação e seu transporte para seu relato, ou seja, a transposição do sentido ver para o sentido escrever ou falar, certamente não representará a idêntica noção do próprio observador.
Nesse sentido, a rememoração não atingirá a perfeição na reconstrução ou construção em si, diante de todo um período esquecido na pré-história daquele que conta o fato.
Somos norteados por compulsões e pulsões, que diretamente interferem nos eventos da memória, assim como a construção do relato.
O trabalho de acompanhamento do relato, quando estamos diante desses preceitos é, basicamente, arqueológico, visto que os átimos temporais geram falsas sensações, decorrentes de fatores traumáticos, por exemplo.
Fragmentos soltos são componentes indissociáveis da característica da transcrição do fato, visto que a verdade histórica é a aquela considerada verdadeira pelo indivíduo em um período do seu filme, suscitando-se aqui um problema com o conceito de verdade, diante da interpretação subjetiva que constitui um sistema de crenças que se fixa nos átimos metapsicológicos.
Aqui cabe uma pausa de fundamental relevância, mesmo a verdade histórica comporta o núcleo de verdade em si, construção pessoal, mas arbitrária. Suscita-se que até durante o delírio há a concepção de fundo de um momento de construção pessoal verdadeira.
Reitera-se, estamos sempre diante da possibilidade de o sujeito deter traumas, onde a realidade desagradável pode ser substituída por outra de acordo com seus desejos e pulsões. É um processo de recomposição necessária para manutenção da existência do ser. Tal situação está diretamente vinculado com a racionalidade, encontrada em animais não humanos, também, possibilitando-se a construção própria da memória histórica, salientando-se a impossibilidade da recuperação objetiva de uma história-verdade.
A circunstância em apreço é potencializada na relação entre duas pessoas em que uma delas possui certo poder e a outra tem de se sujeitar ou, minimamente, considerar esse poder, gerando a deformação.
O posicionamento adotado acaba por revelar que: 1) o fato depende de quem o enxerga; 2) quem o enxerga jamais o revelará nos exatos moldes do que enxerga. É a sobreposição metapsicológica.
A indagação que se segue é: então não haveriam fatos reais?
Todos os fatos são reais, contudo, transformam-se no átimo imediato com a visão de um terceiro que jamais conseguirá ser suficientemente fiel ao que enxergou.
Esse contexto acaba por revelar a dificuldade extrema de se saber a realidade em toda e qualquer circunstância observada e posteriormente contada. Aqui, reside o ponto relevante quanto ao direito, qual seja, compreender que ele é absolutamente ficcional quando tratamos das provas, principalmente as testemunhais. Como somos seres de camadas e a projetamos, nos escondemos nelas.
Nesse preceito, a recuperação da história é sempre apenas parcialmente possível, pelo próprio fato da absorção primária ter, desde a origem, proibido sua inscrição memorial. O processo se perfaz em projeções contínuas, da interconexão existencial.
O contato jamais será o que foi visto de forma absolutamente real, seja pela falha da comunicação entre ver e falar ou, ainda, pela própria visão independente de que cada um que presenciou o fato poderá ter.
A ideia de transferência aqui é de fundamental relevância, durante a captação da prova, em face dos fatos que são depurados.
Isso nos mostra que a regra é o erro e a exceção o acerto.
Trabalhar-se-á, em regra, por uma necessidade de pacificação social, com a maior probabilidade de verdade, salientando-se que se busca modelar matematicamente conceitos como incerteza, risco, chance, possibilidade, verossimilhança, perspectiva, até mesmo, sorte.
Mesmo que no direito se considere referidos fatos para dizer que toda “justiça” entregue teve duas falhas ao menos de interpretação, seja de quem viu e depôs e ainda de quem interpretou o depoimento e julgou, a boa notícia é que no cotidiano abrimos um imenso leque para aceitar os erros, pois eles são a regra por natureza da observação humana, o que nos permite reconhecer e acima de tudo entender os que conosco se relacionam.
Pensar sempre é bom!
*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISD-SP
**Marco Aurélio Fernandes Galduróz Filho é advogado especialista em Direito Material do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Damásio, mestre em Cultura e Segurança Jurídica pela Universidade de Girona – Espanha e Gênova – Itália, doutorando em Direito do Trabalho na Universidade de Buenos Aires e professor de Filosofia do Direito, Direito do Trabalho e Processo de Trabalho