Vítimas do crime de estupro em Curitiba – sejam homens ou mulheres – contam, há dez anos, com o suporte de um núcleo especializado do Ministério Público do Paraná. Criado em 2013 a partir de ato da Procuradoria-Geral de Justiça (Resolução 3.979), o Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (Naves) completa uma década de atuação com importantes conquistas no suporte a quem sofre tais ilícitos e na responsabilização dos autores desses crimes.
Suporte às vítimas – Com atuação dedicada a vítimas maiores de 18 anos de estupros que tenham ocorrido na capital e fora do ambiente doméstico e familiar (para esses casos, a instituição conta com outras unidades especializadas), o Naves já conferiu suporte a 355 vítimas, atendidas pela equipe especializada da unidade. Iniciado logo após a comunicação da ocorrência do crime e a instauração do procedimento de apuração, o processo de acolhimento e escuta das vítimas é conduzido por uma equipe coordenada por psicóloga do próprio Naves e o atendimento segue um protocolo definido, que é mantido especialmente durante o trâmite do processo criminal. Quando a vítima mantém a necessidade de atendimento após esse período, é feito o encaminhamento à Secretaria Municipal de Saúde para o prosseguimento dos cuidados.
Nesse processo, o foco é a promoção de uma escuta acolhedora, que não faça a vítima reviver as lembranças do crime e, ao mesmo tempo, a fortaleça para o trâmite do processo judicial, inclusive para a prestação de declarações em Juízo. Em alguns casos, o Naves pode também disponibilizar suporte aos familiares da pessoa que sofreu o ato criminoso, desde que haja concordância da vítima. As informações sobre as vítimas chegam ao Núcleo a partir de comunicações dos órgãos parceiros que realizam o primeiro atendimento, sejam hospitais ou autoridades policiais. Como parte do trabalho da unidade, a vítima é também acompanhada nas audiências judiciais pela promotora de Justiça que atua no Núcleo e, se necessário, pela psicóloga do Naves.
Exemplo nacional – O procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia, que também estava à frente da instituição na criação da unidade, em 2013, ressalta a importância do Naves: “O Ministério Público do Paraná tem sido destacado no cenário nacional por esse projeto pioneiro, de autoria da procuradora de Justiça Rosângela Gaspari, nossa atual corregedora-geral, numa época em que não se pensava tanto na vítima do processo penal e em que preponderava o trinômio crime-criminoso-pena, com a vítima ficando quase invisível. A Dra. Rosângela, neste lustro de vocação ministerial e de sensibilidade social, escreveu esse projeto, destinado inicialmente ao atendimento à vítima de estupro, de crime sexual violento, que sofre traumas quase insuperáveis, necessitando de uma especial atenção, dada a sua condição especial de vulnerabilidade. Recentemente, houve um movimento nacional inspirado nesse projeto de maior atenção à vítima, que ganhou conotação de projeto prioritário para o Conselho Nacional do Ministério. O Naves inspirou, inclusive, a edição de leis estaduais, dando assim dicção normativa a essa política pública de suma importância na área do processo penal e, de uma maneira geral, do Direito e da Justiça”.
A procuradora de Justiça Rosângela Gaspari, atual corregedora-geral do MPPR e idealizadora do Núcleo em 2013, destaca a importância e a vanguarda da instituição ao criar a unidade: “Comemorar uma década do Naves comprova a preocupação constante do Ministério Público do Paraná com a tutela das vítimas. O objetivo primordial do Núcleo é propiciar a redução do estresse pós-traumático resultante do estupro e mostrar às vítimas que elas não estão sozinhas durante o processo criminal. A experiência nestes dez anos demonstra o valor da aproximação do órgão de acusação com as ofendidas e também a importância da condenação criminal, resposta estatal que afasta a impunidade diante de tão grave delito. Essa conquista não seria alcançada sem o irrestrito apoio do Dr. Gilberto Giacoia, procurador-geral na época de criação do Núcleo e que decidiu implementar a iniciativa imediatamente, afirmando que esse era um projeto para o Brasil”.
Responsabilização – A redução da subnotificação dos casos de crimes de estupro é outro importante resultado alcançado pelo Naves, que vem registrando, ano a ano, um aumento significativo do número de denúncias oferecidas pelo MPPR. Outro avanço observado pela instituição desde o início do trabalho do Naves foi uma maior integração entre as instituições envolvidas na apuração e judicialização dos casos, já que o Núcleo realiza o acompanhamento dos inquéritos policiais, das medidas cautelares e das respectivas ações penais.
Tal alcance foi também exaltado pela procuradora de Justiça Marília Vieira Frederico, atual coordenadora do Naves. “Nestes dez anos, temos imenso orgulho em constatar que o Ministério Público do Paraná conseguiu, por meio desse projeto, aumentar em cerca de 750% o número de denúncias relativas ao crime de estupro no Foro Central da Comarca de Curitiba, ao tempo em que inseriu mais de 350 vítimas no apoio psicológico dentro do próprio programa. Isso nos permite afirmar que a idealização da Dra. Rosângela Gaspari, aliada à visionária gestão do Dr. Gilberto Giacoia, trouxe às vítimas de estupro proteção jurídica integral e pessoal, em absoluta consonância com a modernidade constitucional”.
Depoimentos – Para dar voz àquele que é o principal público a quem se destina o trabalho diário do Naves, o MPPR apresenta o depoimento de duas vítimas atendidas pela equipe do Núcleo. As identidades foram preservadas, em razão do sigilo conferido ao atendimento prestado pelo Naves.
“Por um momento na minha vida, eu pensei que nunca mais seria a mesma pessoa, cheia de sonhos e objetivos, como qualquer outra jovem da minha idade. O Naves, hoje, representa pra mim uma esperança e um resgate, uma mão que foi estendida para que eu possa ter apoio durante o meu presente e futuro. Agradeço por todo o trabalho feito pelo Ministério Público, e que a luta para que mulheres como eu tenham acesso à saúde psicológica seja sempre importante”.
“Meu acompanhamento começou após sofrer violência sexual na saída de um show. Desde então, venho recebendo todo o apoio necessário pelo Ministério Público, mas principalmente pela Dra. Jaqueline, que tem me ajudado desde o primeiro dia que passei com ela. De verdade, eu não via mais sentido em nada, na vida em geral, mas ela conseguiu, com toda sua atenção, carinho e profissionalismo, me ajudar a entender que eu não sou a vilã, que eu não preciso parar a minha vida, apesar do que aconteceu. Eu entendi que eu fui a vítima e não posso me calar, não posso deixar que isso mude quem eu sempre fui, uma menina alegre e sonhadora. Eu só tenho a agradecer ao Naves e a toda a equipe que está por trás, mas, principalmente, à Jaqueline, que me ajuda a fazer acontecer. Sem eles, não sei se conseguiria enfrentar esse e outros traumas sozinha”.